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Sai no Brasil o livro de contos “Jogos de Azar” (Bertrand Brasil), do escritor português José Cardoso Pires (1925-1998), com escritos de suas duas primeiras obras. São pequenos relatos sobre desocupados, seres “condenados a tropeçar a cada passo”, como expõe o autor na introdução. Grande crítico do ditador António Salazar, Pires tinha um estilo vigoroso, a meio caminho entre o surrealismo e o neorrealismo, patente no conto “Os Caminheiros”, sobre um violeiro cego que não percebe que está sendo vendido pelo amigo de mendicância.

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 Leia um trecho do primeiro capítulo:

Entre 1949, quando faz sua estreia com Os caminheiros e outros contos, e 1997, quando — um ano antes de morrer — despede-se com Lisboa: livro de bordo, José Cardoso Pires publicou dezoito livros. Embora ocupe a sexta posição na lista, Jogos de azar, de 1963, conserva os elementos mais arcaicos, e decisivos, de sua formação.Trata-se, na verdade, de uma reunião de seus dois primeiros livros: Os caminheiros e outros contos, de 1949, e Histórias de amor, o segundo, de 1952. Livro, portanto, de recordação, em que se conservam os fundamentos de uma escrita. As histórias nele contidas resumem o ambiente ambíguo, entre o imobilismo e o salto, entre o medo e o deslumbramento, que definiam o Portugal em que cresceu. Trazem, ainda, as marcas do movimento neorrealista, de que Cardoso Pires foi um dos mais complexos representantes. O interesse pelo neorrealismo veio, possivelmente, de sua experiência com o jornalismo, que passou a praticar depois de graduar-se em Matemática e de ser expulso, com menos de um ano de serviço e por suspeita de indisciplina, da Marinha Mercante portuguesa.

Cresceu em uma Lisboa amedrontada pela guerra e tomada pela propaganda nazista. O fantasma de Salazar sempre o perseguiu. Já adulto, depois de participar da revista Almanaque — experiência que o aproximou de um de seus maiores amigos, o poeta Alexandra O’Neill, surrealista português descendente de irlandeses —, viu-se obrigado ao exílio e escolheu primeiro Londres, depois Paris e, por fim, o Rio de Janeiro. No Brasil, aproximou-se de escritores como Clarice Lispector, Rubem Braga e Paulo Francis; de artistas plásticos, como Carlos Scliar e Cândido Portinari; tornou-se amigo da cantora Nara Leão. Nunca perdeu a chance de uma amizade e a esperança de uma renovação. Aqui rompeu, de vez, as algemas que o prendiam ao Portugal passadista, de agentes policiais e anjos milagrosos, e tornou-se um cidadão do mundo. Um cidadão do real.