A rejeição ao euro no referendo da Suécia no domingo 14 causou muito mais estardalhaço do que o esperado e recolocou a moeda única da União Européia em debate nas mesas dos governantes do Velho Continente. Com uma arrasadora votação de 56,1% favoráveis ao “não” contra 41,8% para o “sim”, o resultado surpreendeu até os opositores da moeda européia no país. Existia uma certa esperança de que o assassinato – quatro dias antes do plebiscito sueco – da ministra das Relações Exteriores, Anna Lindh, fervorosa defensora do euro e uma política muito popular, fosse favorecer a aprovação da moeda única. Algumas pesquisas realizadas dias antes do plebiscito davam uma ligeira margem de vitória para o “sim”. A campanha em favor do euro, moeda estabelecida na UE em 1999, recebeu apoio da mídia e dos principais empresários suecos. Mas, nas urnas, a população mostrou estar insegura à submissão de um único controle monetário. O primeiro-ministro sueco, o social-democrata Goran Persson, favorável à adesão ao euro, tentou explicar o fracasso de sua campanha atribuindo-o ao mau desempenho econômico dos países que adotaram a moeda. “Não foi fácil realizar a campanha em um momento em que há três ou quatro economias da zona do euro em recessão”, alegou Persson. O premiê, no poder desde setembro de 1998, reeleito em 2002, fez da incorporação da Suécia à zona do euro sua bandeira.

Por um lado, a Suécia seria o país ideal para adotar a divisa européia: é pequeno, com uma economia estável e competitiva, mas, por outro, os suecos vivem hoje melhor – inflação mais baixa, maior crescimento econômico, menos desemprego – do que a maioria dos países da zona do euro, justamente por não terem adotado a moeda única. Além disso, os escandinavos – entre os quais se incluem os suecos – têm um longo histórico de rejeição à integração ao Velho Continente. A Suécia não faz parte da Otan, a aliança militar ocidental, e a entrada para a União Européia em 1995 aconteceu de raspão, com uma votação apertada de 52% a 47%. Já a Noruega nem sequer faz parte da UE. Mas, assim como os dinamarqueses, que em 2000 rejeitaram o euro e pretendem fazer um novo plesbicito, os suecos podem ter recusado a moeda agora e aceitá-la mais tarde, quando lhes for conveniente.

A negação dos suecos ao euro soou como “um mau agouro” para a campanha pró-euro no Reino Unido, afirmou Keith Vaz, parlamentar britânico favorável à moeda. Na terça-feira 16, o primeiro-ministro
Tony Blair, um ardoroso defensor da moeda única, afirmou que o referendo sobre essa questão pode ser adiado. “Pelo menos até
o fim do mandato de Blair (final de 2005), o governo não deve
voltar a esse assunto”, afirmou o economista Todd Londman, da Universidade de Essex. Blair tinha programado para colocar em
discussão no Parlamento ainda este semestre os cinco parâmetros
para a adoção do euro. Entre eles, estariam a reforma no mercado imobiliário, introduzindo pagamentos regionais no setor público, e a reavaliação da taxa fixa da inflação européia, que, de acordo com
o tratado de Maastricht, não deve ultrapassar 1,5%.

Essa avaliação econômica do Reino Unido para ver se a nação tem condições de adotar o euro está prevista para acontecer apenas em março do ano que vem. “O primeiro-ministro prometeu que o gabinete iria discutir a campanha pelo euro no Reino Unido. Isso simplesmente não está acontecendo. A menos que isso comece imediatamente, a campanha pelo plebiscito do euro vai acabar antes de começar”, afirmou Keith Vaz. Para o presidente do Movimento Europeu, Chris Bryant, as regras que regem a moeda única deveriam estar na pauta em no máximo 18 meses. “Minha preocupação é que França e Alemanha tenham uma cadeira, enquanto que Reino Unido e Suécia não”, afirmou ele.

Tony Blair negou que o plebiscito sueco tenha trazido maus ventos à ilha britânica. O porta-voz do premiê afirmou que “a decisão do referendo sueco cabe apenas ao povo sueco e, obviamente, será respeitada pelo governo britânico”. Mas, duas semanas antes de a votação acontecer, Blair já havia se pronunciado, afirmando que era “óbvio que a decisão dos suecos irá rebater em outros países”. Os dinamarqueses, que votaram contra a integração monetária em 2000, também saíram fortalecidos. Dos 15 países da União Européia, restam Suécia, Reino Unido e Dinamarca fora do mapa do euro. Mas com a entrada, em 2004, de mais dez países, a generalização do euro pode ficar ainda mais fragilizada, caso os novos integrantes decidam ficar de fora, ao menos inicialmente, da zona do euro.

Irritação – A recusa ao euro na Suécia não apenas preocupou Blair, mas claramente irritou outros líderes europeus, que temem que a votação negativa respingue na mais importante decisão do continente que está prestes a acontecer. No próximo mês, uma nova Constituição européia deverá ser discutida na Conferência Intra-Governamental (CIG). “Eu lamento profundamente por esta decisão. Acredito que esta é uma má notícia para a Europa e para a Suécia”, afirmou a ministra das Relações Exteriores da Espanha, Ana Palacio.

O referendo não só trouxe um sinal de como será difícil negociar esse projeto de Constituição como veio para alertar que decisões desse porte devem ser amplamente discutidas com a população antes de irem às urnas. Seis países da UE já levantaram a idéia de realizar plebiscitos em seus países, entre eles a França, a Itália e a Espanha. No plebiscito sueco, ficou demonstrada a força e independência de uma opinião pública que se distanciou da vontade de seus líderes. Analistas afirmam que os governos devem estar melhor preparados para a campanha da Constituição da UE, porque uma rejeição pode custar muito caro à idéia de união. Se a discussão for aprofundada, os europeus serão levados à encruzilhada final onde deverão decidir se querem fazer parte integral da UE ou se vivem melhor sem ela.

Hoje uma das claras vantagens de se participar de um sistema econômico integrado é justamente partilhar da força do euro em relação ao dólar, a moeda mais forte do planeta e responsável por 80% das operações monetárias mundiais. “Aderir ao euro é ter que conviver com a dubiedade. De um lado, existe o medo de perder a autonomia da política monetária; de outro, significa participar dos benefícios de uma moeda que se fortalece cada vez mais perante o dólar”, afirmou a ISTOÉ Antônio Corrêa de Lacerda, professor-doutor em economia da PUC de São Paulo. Os defensores do euro, que hoje vale US$ 1,12, divulgam que a moeda única européia “forte e estável atende não só aos interesses da economia da zona do euro como também da economia mundial”. O baixo crescimento da economia americana e o gigantesco déficit de Tio Sam contribuíram para o sucesso da moeda única européia.

Mas o fato é que os suecos – como antes os dinamarqueses – mandaram um claro recado aos países da União Européia: eles temem que a adoção do euro os leve a perder algumas das benesses que possuem com o Estado de bem-estar social, além de provocar um crescimento medíocre, como vem acontecendo na Alemanha, na França e na Itália, principalmente. Resta saber se os cidadãos dos países europeus que ainda não adotaram a moeda única estarão dispostos a pagar o preço de uma unificação plena.