Luiz Alberto Moniz Bandeira, cientista político, professor titular de história da política exterior do Brasil na UnB (aposentado) e autor de várias obras, é especialista em relações dos Estados Unidos com a América Latina e crítico respeitável da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) no Brasil e no Exterior. Moniz Bandeira mora na Alemanha desde 1996. Sua mulher é alemã e seu filho tem dupla cidadania. Ele já foi professor visitante nas universidades de Heidelberg e Colônia. No momento, faz conferências. “Este ano estive no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo para o lançamento do meu último livro e dei várias conferências nessas três cidades.” Brasil, Argentina e Estados Unidos, publicado pela Editora Revan, é um livro de história valioso. Assim como são valiosas suas opiniões sobre a Alca. “É nociva aos interesses do País e já passa da hora de o Brasil suspender as negociações com os Estados Unidos com tal finalidade”, diz ele. Acompanhe a entrevista:

ISTOÉ – Quais as vantagens do Mercosul em relação à Alca?
Moniz Bandeira
– A Alca e o Mercosul são dois projetos distintos.
O Mercosul já existe, possui uma tarifa externa comum, apesar dos
furos, e deve evoluir para um mercado comum, com moeda comum e uniformização de políticas macroeconômicas, dentro do qual circularão livremente todos os fatores de produção, inclusive, força de trabalho.
O Mercosul visa à ampliação do espaço econômico dos seus sócios, favorecido pela contiguidade geográfica, ao longo da plataforma continental, cujo eixo Rio de Janeiro–São Paulo–Buenos Aires–Córdoba–Rosário constitui a região de maior desenvolvimento
do subcontinente. E não é só um projeto econômico e comercial. É
um projeto similar ao da União Européia, a base de um futuro Estado supranacional, que dará a esses países maior poder de negociação
diante de outros blocos.

ISTOÉ – O que incomoda na Alca?
Moniz Bandeira
– A proposta da Alca, que ainda não existe, tem apenas um caráter aparentemente comercial, mas inclui aspectos normativos para serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual que afetam diretamente a capacidade reguladora dos países, seu poder de decisão sobre a política econômica, que passaria a ser ditada unilateralmente pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos, por outro lado, não garantem livre acesso a seu mercado aos produtos em que o Brasil tem vantagens comparativas, não apenas os produtos agrícolas, mas também industriais. Os subsídios agrícolas e as medidas anti-dumping foram excluídos das discussões e ao Mercosul foi reservado tratamento menos favorável, com prazos de abertura mais longos do que os oferecidos a outros países do continente.

ISTOÉ – Que tipo de riscos o Brasil correria ao se submeter às exigências dos Estados Unidos?
Moniz Bandeira
– O princípio subjacente da política comercial dos Estados Unidos é claro, como definiu explicitamente a antiga secretária do Comércio Americano (United States Trade Representative) Charlene Barshefsky: “Apoiar a prosperidade dos Estados Unidos, os empregos nos Estados Unidos e a saúde das empresas americanas.” Não é outro o objetivo da Alca. Ela não visa beneficiar o Brasil nem os demais países do continente. Um estudo divulgado em 2 de maio de 2002 pela Secretaria da Receita Federal demonstrou que os Estados Unidos, México e Canadá seriam os países mais beneficiados com a formação da aliança, cujo comércio estaria concentrado em empresas multinacionais que sempre distorceram os preços, o mais das vezes para transferir lucros ou prejuízos de um país para outro. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por sua vez, calculou que o Brasil perderia US$ 1 bilhão por ano em seu comércio exterior, a partir de 1º de janeiro de 2006, data prevista para a implantação do acordo. A Associação Latino-americana de Integração (Aladi) concluiu que a Alca traz mais ameaças do que oportunidades para o Brasil, levando-o a perder o mercado para 176 produtos exportados por suas empresas, principalmente nos setores de manufaturados, ou seja, máquinas e equipamentos, automóveis, papel e celulose e produtos químicos, em virtude da concorrência dos EUA e Canadá, provocando a destruição de boa parte do seu parque industrial, particularmente nos setores mais sofisticados, em que os Estados Unidos predominam. E há o risco de que, uma vez conseguidos seus objetivos, os EUA denunciem o acordo sobre a Alca. Os Estados Unidos não são um país confiável. Só cumprem tratado na medida em que lhes convêm, com risco à soberania dos outros.

ISTOÉ – Há alguma vantagem em pertencer à “Federação Americana” tendo os Estados Unidos como líder?
Moniz Bandeira
– Não há vantagem alguma para o Brasil. O que os Estados Unidos podem liderar, quando estão a perder toda a autoridade moral, como a potência que dizia defender a democracia e preservar a paz? Agora os Estados Unidos estão atolados no Iraque e não sabem como sair, desmoralizados internacionalmente, em virtude do furor bélico e das mentiras do governo americano, para justificar a guerra contra o Iraque. Agora pedem o auxílio de outros países, da “velha Europa”. Um governo ridículo e ao mesmo tempo trágico. E essa situação em que Bush meteu os Estados Unidos me faz lembrar uma frase de Oswaldo Aranha, que foi um grande diplomata e estadista. Quando o governo americano, em 1952, pediu tropas do Brasil para a guerra na Coréia, ele se opôs e escreveu ao general Góes Monteiro, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, contando que um caudilho certa vez dissera para um generaleco que entrara em uma entalada e lhe pedira apoio: “el que supo entrar, que sepa salir” (aquele que soube entrar que saiba sair). Isto é o que as outras potências e a ONU devem dizer aos americanos. A maior ameaça que paira sobre os Estados Unidos não é militar. É a debacle econômica que essa guerra vai acarretar. Eles não vão aguentar os gastos militares. O Iraque é um pantanal, um atoleiro, em que os EUA vão chafurdar, em termos de vidas humanas e recursos financeiros.