Eles são negros com fundas raízes na África. Começaram a chegar à maior cidade brasileira na década de 1980, fugidos da guerra civil que até hoje cinde sua terra natal. Falam no dialeto da etnia ibo e ocupam a região central de São Paulo pendurados em telefones celulares. Para a polícia brasileira, é dali que eles comandam mundialmente uma das maiores, mais agressivas e bilionárias quadrilhas de tráfico de drogas do planeta – a Conexão Nigéria. Os números à volta da organização impressionam. Nada menos que duas toneladas e meia de cocaína pura foram apreendidas na cidade com traficantes ligados ao grupo nigeriano apenas no ano passado. O volume de prisões chegou a tal ponto que, em outubro de 2006, o governo paulista teve de reservar todo um presídio, na cidade de Itaí, para os criminosos ligados à rede internacional. Hoje há, ali, 972 detentos que tiveram ligações diretas com a máfia nigeriana.

Apesar dessa perspectiva, a polícia brasileira tem certeza de que a Conexão Nigéria vive um momento de franca expansão. “É a quadrilha mais difícil que já enfrentamos”, reconhece o delegado federal Sérgio Trivelin. “Em relação ao que acontece no resto do mundo, temos tido sucesso, mas eles são muito bem preparados para o crime.” As polícias federal e paulista trabalham com a certeza de que, a partir de São Paulo, os nigerianos coordenam a compra de cocaína do Peru e da Bolívia para vender na Europa e nos Estados Unidos. Essas negociações acontecem a qualquer hora do dia ou da noite. Hospedados em hotéis baratos, os nigerianos operam das calçadas. Com as armas do dialeto ibo e do inglês, aprendido durante o período em que a Nigéria foi uma colônia da Grã-Bretanha (até 1960), os cidadãos do país driblam os investigadores. Eles alternam suas conversas nas duas línguas, jamais usando palavras-chave como “cocaína” ou “droga”.

O quadro de dificuldades se agrava em razão de os nigerianos entrarem e saírem do Brasil com uma freqüência bastante intensa – e em grande número. Em média, ficam por aqui não mais do que cinco dias – e aterrissam à base de mil por mês. Para a polícia, eles fazem um rodízio sinistro. Entram carregando pílulas de ecstasy, uma droga de difícil detecção, na condição de estudantes, empresários ou simples turistas. Aqui, vendem essa droga e fazem o dinheiro que os permite comprar a cocaína pura produzida no Peru e na Bolívia. Com o aumento do número de prisões em São Paulo nos últimos meses, a quadrilha agora optou por viajar a partir de Salvador, na Bahia. Ali, os equipamentos de segurança são precários e não há sequer cachorros farejadores de drogas à disposição dos policiais. “Salvador virou o principal ponto de fuga também porque os vôos para Portugal são mais rápidos e as conexões para cidades como Barcelona ou Amsterdã podem durar menos de 30 minutos”, afirma o chefe do núcleo da Polícia Federal no aeroporto baiano, Francisco Gonçalves.

Informante Everaldo Souza revelou aos policiais o esquema nigeriano

As grandes negociações acontecem mesmo em São Paulo. Eles trocam as malas com drogas por dinheiro à luz do dia. Essas transações acontecem no subterrâneo, dentro dos vagões dos 62 quilômetros da malha do metrô. É a cocaína chegada das fronteiras com a Bolívia e o Peru sendo trocada por reais, dólares ou euros. Essa operação é facilitada, ali, porque não há câmeras. Enquanto a coca rumará para a Europa, quem ficou com o dinheiro irá fazer uma nova operação criminosa: comprar diamantes, na maioria das vezes em empresas abertas por outros nigerianos.

A polícia brasileira esteve de mãos atadas diante dessa máfia até 2005, quando o ex-empresário Everaldo José de Souza se entregou momentos antes de tomar em São Paulo um avião para o Exterior com 59 cápsulas de cocaína no estômago. Ele participou durante dois meses da vida da quadrilha, foi treinado para engolir as cápsulas e, ao se entregar, tornou-se o fio condutor das investigações policiais. É preciso, no entanto, fazer ainda mais. O Federal Bureau of Investigations (FBI) estimou em relatório oficial que os integrantes da Nigerian Criminal Enterprises, são “os mais expansionistas e agressivos grupos criminais internacionais”. Contabilizou a favor deles um movimento de US$ 8 bilhões em negócios ilícitos apenas no ano passado. Em tempo: a Conexão Nigéria é acusada, ainda, de ter ligações com 90% do tráfico mundial de heroína.