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VERDE
Bia Doria e sua eterna paixão pelo meio ambiente: sensibilidade

"Nasci no mato, meu DNA está na floresta.” Dita por uma mulher bela e sofisticada, conhecida figura da sociedade paulistana, a frase soa surpreendente. Mas faz todo o sentido ao se considerar que a artista plástica Bia Doria, que assim se apresenta, tem nas árvores a matéria-prima e o motivo de seu trabalho, além da feliz lembrança de sua infância passada no interior. Natural da região oeste de Santa Catarina, dominada pelas matas de araucárias, essa filha de imigrantes ­italianos é identificada por suas majestosas esculturas feitas a partir de resíduos de floresta de manejo, ou seja, os galhos e as raízes que sobram das madeiras certificadas. “Nunca comprei nada”, diz ela, que só trabalha com material que no passado seria descartado como lixo ou como alimento para queimadas. E, por isso, se autodenomina uma representante da arte contemporânea sustentável. “Utilizo raízes que iriam para o lenheiro ou entupiriam os bueiros, e galhos de floresta que não deixariam as pequenas árvores crescerem”, afirma, com toda consciência de que está na vanguarda do pensamento sustentável.

Se existe algo que deixa Bia radiante é mostrar uma obra nascida de raízes de espécies em extinção, como o pau-brasil e o jacarandá da Bahia. É uma forma de documentar e manter vivo por meio da arte um pedaço da natureza que infelizmente se foi. A rádica, o que restou de longos períodos de depredação ambiental, toma então formas orgânicas, abstratas. Ganham também feições humanas, como nas figuras femininas, sempre em movimento, alçando voo. Grande parte dessas obras foi reunida no livro “Bia Doria” (Editora Decor), lançado com uma exposição no shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Nele estão documentadas ­todas as fases do trabalho da artista, que chegou à escultura por acaso, depois de trabalhar com moda e design de joias. Foi com a confecção de colares e pulseiras que Bia descobriu um material que desconhecia: a madeira de fundo de rio cuja solidez se assemelhava à das rochas. Diante daqueles tocos calcinados pela água, enxergou corais. Tomou na mão o “objet trouvé” e o pintou com tinta branca, vermelha – nascia assim a artista e também a sua primeira série, “Fundo de Rio”.

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ESPORTE
Obra em raiz de cedro da série “Olympia-Brasil”, que Bia concluirá antes de 2016

Ao mesmo tempo, na casa de campo da família de seu marido, o empresário João Doria Jr., localizada na cidade paulista de Campos do Jordão, Bia se viu diante de uma paisagem parecida com a da sua infância, rodeada de cedrinhos, usados em reflorestamento. Dos seus restos retorcidos, ela criou as “Bailarinas”, sua melhor produção escultórica. Ao ser apresentado a essas obras de coloração uniforme, quase dourada, o mestre da arte de viés ecológico Frans Krajcberg a aceitou como uma espécie de aluna. “Fui inúmeras vezes a Nova Viçosa, na Bahia, onde ele mora. Mas não dá aulas. Apenas o observei com o meu olhar”, diz ela. A influência do escultor de origem polonesa aparece em certas fases, como a dos “Labirintos” (espécie de totens pintados de vermelho), ou nas esculturas de parede, raízes e cipós retorcidos com florações de fungos sólidos nas extremidades. “São coisas que eu realmente aprendi com ele”, afirma Bia. Mas, para ela, essa identificação está superada: “Acho que ela aconteceu porque trabalhamos com a mesma matéria-prima e às vezes a mesma cor. Mas a interferência é diferente. Ele usa o maçarico e esconde a beleza da madeira com o carvão; eu deixo aflorar o que ela tem de bonito.”

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Trata-se de um processo que começa com a limpeza do material, o tratamento contra pragas e o desbastamento inicial. “Contemplo a peça até encontrar a forma”, diz Bia. O que se segue é o impulso da criação, que pode durar dois dias no caso de peças pequenas e três meses tratando-se de esculturas gigantescas, que chegam a quatro metros de altura. Em busca de inspiração para esse gigantismo das escalas, a artista viajou ao Camboja, onde visitou as ruínas de Angkor, dominadas por espécies de raízes milenares. Mais tarde, ao entrar na Floresta Amazônica, descobriu que a flora nacional era mais pródiga. Numa das viagens à região, trouxe uma carreta de resíduos que lhe proporcionará uma década de trabalho. Seja de floresta ou de fundo do rio, o processo de trabalhar a madeira é o mesmo e se desencadeia com o desenho da forma pretendida. Na parte pesada, ela conta com o trabalho de cinco auxiliares – mas não pode se descuidar e assim perder as curvas e os ângulos sonhados. No início, Bia não fazia intervenções no material. Depois descobriu que o formão e a lixa proporcionavam linhas mais belas. Mas ela sempre tem como limite o desenho natural de galhos ou as reentrâncias das raízes. “É o que a natureza me dá de graça”, afirma. Obra pronta, resta o acabamento, à base de cera. “Tudo fatto a mano”, diz a descendente de italianos, brasileira acima de tudo.

 

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