Num dia no meio da semana, o paciente aguarda o momento em que será chamado. Faz uma hora que está ali, na sala de espera. Cansado, revira as páginas das revistas disponíveis (a mais recente é de dois meses atrás). Não adianta reclamar à recepcionista. Sim, ela tinha marcado na agenda o horário combinado. Mas imprevistos acontecem, responde secamente. Finalmente, o médico o atende. O paciente mostra os exames. Sem se desculpar pelo atraso, o especialista verifica os resultados, diz que tudo ficará bem, prescreve os remédios, faz meia dúzia de comentários e pede que o avise se surgir algum problema. Que não se preocupe. A secretária sempre transmite os recados. E assim o doutor dá a consulta por encerrada, despedindo-se e já convocando o paciente seguinte. O consultório está cheio.

Diálogo – A cena descrita acima é corriqueira. E danosa. Pode colocar a perder a confiança no tratamento e, por tabela, prejudicar a saúde do doente. Para o médico, é possível que represente a perda de pacientes. Em alguns casos, esse tipo de atendimento – feito às pressas e com lapsos na comunicação – chega a ser questionado nos Conselhos de Medicina. É sinal de que falta aos médicos, no mínimo, a disposição de ter uma boa conversa com a pessoa que está do outro lado da mesa. Conversa, e não monólogo. Muitas vezes, o paciente se sente tão diminuído diante do saber do especialista que não se atreve a esboçar uma queixa sequer, apesar de estar pagando pela atenção. E não coloca em discussão nem os temores em relação ao preço desta atenção. Uma pesquisa da Universidade de Chicago, apresentada neste mês, revelou que 63% dos americanos sentem a necessidade de debater os custos da terapia determinada pelo profissional de saúde. Mas apenas 15% conseguem discutir esse ponto com seus médicos.

Intimidar-se perante o doutor não é atitude exclusiva dos americanos. Um estudo brasileiro mostra que os pacientes daqui também estão frustrados com o atendimento. A professora Rosana Nassar, diretora da Faculdade de Relações Públicas da PUC-Campinas (SP), ouviu cerca de 200 usuários do sistema público e da rede privada de hospitais da região. As reclamações são as mais variadas. Nos hospitais do governo, por exemplo, os problemas vão desde a demora em ser atendido até a falta de cafezinho. Já nos consultórios particulares, uma das críticas é a postura olímpica dos doutores, muitas vezes marcada pela secura nas respostas. Os pacientes se ressentem quando, mal dizem o que dói, o médico passa uma receita sem dar maiores explicações. “Eles não gostam de ver o profissional se comportar como um deus”, conta Rosana. Tão ruim quanto isso é ouvir uma explicação cifrada, e sair do consultório sem entender nada, como também observou Rosana. “Muita gente não entende o que o médico diz. Há um sério problema de comunicação e o doente se sente inseguro”, confirma o médico Protásio Lemos da Luz, do Instituto do Coração, em São Paulo, e autor do livro Nem só de ciência se faz a cura, o que os pacientes me ensinaram.

Segurança – Para a atriz Patrícya Travassos, que apresenta um programa de terapias alternativas, os médicos em geral não percebem
o quanto atemorizam. “Não avalio o profissional pelos títulos que carrega. Meço se ele é bom ou ruim pelo medo que transmite”, afirma. Em sua opinião, a pessoa pode até estar assustada com a doença, mas precisa se sentir segura diante do especialista. Outro erro, segundo ela, é o costume de se analisar apenas a parte afetada no corpo. “Há quatro anos, tive um problema de articulação. A primeira coisa que um ortopedista sugeriu foi a operação. Ele isolou aquela região e
esqueceu do resto. Resolvi o problema com fisioterapia, orientada
por outro médico”, lembra.

Entre as demais queixas levantadas pela pesquisadora de Campinas, há outros desrespeitos. Atrasos irritantes e recepcionistas pouco atenciosas são alguns dos citados. Pode não parecer, mas esses fatores também influenciam negativamente no resultado do tratamento. Afinal, é preciso gostar muito para continuar a frequentar um consultório onde se espera horas a fio, de cara com uma funcionária mal-educada. O jeito, quase sempre, é migrar de consultório em consultório, enquanto o combate à doença se torna inconstante. “Na maioria das vezes, os atrasos são injustificados. Problemas como esse fazem o doente sentir que o sistema de atendimento é ineficiente”, afirma Lemos da Luz.

Ensino – Para melhorar a qualidade da relação médico-paciente, respeitadas faculdades de medicina incluíram aulas sobre esse relacionamento tão delicado. O psiquiatra Marco Antônio Brasil, por exemplo, é professor de psicologia médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A disciplina mostra a importância de se manter uma boa comunicação com o doente. “Estamos cada vez mais voltados ao resultado. Mas o médico que se quer é o que tem disponibilidade e capacidade de ouvir”, explica. A criação dessas aulas é um grande avanço. Mas, de acordo com o psiquiatra Arthur Kaufman, coordenador da disciplina de psicologia médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a batalha para mudar a mentalidade dos profissionais será longa. “Muitos médicos ainda não entenderam que manter um bom relacionamento é importante. Vários confundem a relação médico-paciente com ser educado. Dizem ‘boa tarde’ e acham que fizeram sua parte. E muitos pacientes são co-responsáveis. Valorizam os exames, a tecnologia”, critica.

De fato, os médicos não podem ser os únicos culpados. Muitas vezes, o profissional sente-se pressionado a pedir vários exames – isso o faz ser mais valorizado por muitos doentes que ainda acreditam que a tecnologia resolve tudo –, em vez de entabular uma boa conversa com o paciente, além de precisar atender muita gente para ter um rendimento digno no final do mês. Por isso, na opinião do psiquiatra Luiz Salvador de Miranda Sá Junior, secretário do Conselho Federal de Medicina, é uma injustiça apontar o dedo somente em direção aos doutores. “Temos de começar a responsabilizar também os governos. Há um problema político sobre o que queremos da sociedade. Oferecer bom atendimento é uma questão de escolha e investimento no ser humano”, defende.

De qualquer forma, a discussão do tema nas faculdades é uma boa maneira de resgatar o tratamento humanitário que notabilizou o médico de família, figura pouco comum no cotidiano das cidades. Além disso, há outras saídas. A professora Rosana sugere treinamento para os funcionários da recepção e oferta de acompanhamento psicológico na terapia de doenças mais complexas. Mas não é só. “Os médicos precisam entender que a comunicação é fundamental”, completa a pesquisadora. Nesse caso, os doutores podem recorrer a um curso de especialização ou até seguir as dicas dos professores das disciplinas que abordam a relação. “O médico deve demonstrar interesse autêntico, e não tentar ser brincalhão. A questão não é seduzir o paciente, e sim tratá-lo com dignidade”, ensina Brasil.

E para isso não é necessário virar o Silvio Santos da medicina. Segundo o escritor gaúcho Moacyr Scliar, médico com especialização em saúde pública, é essencial que o profissional tenha em mente que o atendimento se baseia numa relação entre dois seres humanos. “O médico sabe que não conhece tudo sobre as doenças. Por isso, deve reconhecer suas limitações”, recomenda. Além disso, de acordo com o escritor, o especialista tem de pensar também nos gestos e como eles serão interpretados. Em 1993, Scliar viveu uma experiência que comprova isso. Ele sofreu um grave acidente de carro e ficou dez dias em uma UTI. Numa noite, em horário bastante avançado, despertou. E notou que havia um médico ao lado do leito. “Ele não me chamou, apenas me olhava. Mas o simples fato de estar junto a mim foi altamente consolador. Senti-me muito melhor a partir daquele momento. Isso mostra que, na comunicação, até o silêncio pode ser eloquente”, conclui Scliar.