Há tempos sabe-se que a vontade insofismável do governo israelense é a de se livrar de vez do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, e aniquilar sua influência política sobre o povo palestino, enviando-o para longe da Terra Santa. Mas a decisão anunciada na quinta-feira 11 pelo gabinete israelense de expulsar o veterano líder pode não passar de um jogo de cena do governo linha-dura do primeiro-ministro Ariel Sharon. “Arafat é um obstáculo absoluto para o processo de reconciliação entre Israel e os palestinos e vamos agir para remover esse obstáculo de uma maneira e hora que serão decididas separadamente”, afirma um comunicado do gabinete. A decisão foi em resposta aos ataques suicidas que aconteceram dois dias antes e deixaram 15 mortos, além dos dois homens-bomba, em Tel-Aviv e Jerusalém. O comunicado deixa subentendido que “remover o obstáculo” inclui a possibilidade até de matar Arafat. Mas Israel sabe que, se essa alternativa acontecer, fica aberto o campo para um verdadeiro banho de sangue na região. Além disso, os EUA, que são os maiores entusiastas do governo Sharon, mesmo não gostando de Arafat, não estão nem um pouco dispostos a apoiar sua remoção forçada.

Confinado desde dezembro de 2001 em seu semidestruído quartel-general em Ramalá, na Cisjordânia, Arafat fez questão de se mostrar imbatível. Na noite em que foi anunciada a intenção do governo, saiu à porta de seu QG, onde cerca de sete mil palestinos se aglomeravam em uma gigantesca demonstração de apoio ao seu líder. “Ninguém vai me expulsar daqui. Se eles têm bombas podem me matar, mas eu daqui não me movo!”, bradou Arafat. Em seu editorial, o jornal israelense conservador Jerusalem Post chegou a pedir a cabeça de Arafat.

Mas para muitos cidadãos comuns palestinos, ele é o único líder confiável. Para a maioria dos palestinos, tanto o demissionário Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, que entregou no sábado 6 o cargo de primeiro-ministro, como seu substituto Ahmed Qurei são políticos fantoches de Israel e dos Estados Unidos. Em dezembro de 2001, o governo israelense descreveu Arafat como “irrelevante” e os americanos adotaram essa mesma postura em junho do ano passado, optando por levar à mesa de negociações um líder mais moderado. Assim como Mazen, Qurei foi um dos negociadores do acordo de Oslo (1993), entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e é conhecido por sua posição contrária à Intifada (levante palestino). Mas Qurei sabe que a estratégia de seu antecessor de se afastar de Arafat deu poucos resultados e já avisou Washington que precisa receber maior apoio. Em defesa de Arafat, o novo primeiro-ministro palestino declarou que uma eventual remoção do presidente da Autoridade Palestina destruiria “todos os esforços em curso com o objetivo de restaurar a quietude, a paz e a estabilidade da região”. O fato é que toda vez que existe uma tentativa explícita do governo israelense de repreender o mais velho líder palestino, sua popularidade volta a crescer. “O líder é Abu Amman” – o nome de guerra de Yasser Arafat –, gritavam os fiéis palestinos. Eles atenderam ao chamado do grupo Fatah, de Arafat, que os conclamou a fazer plantão dia e noite em frente ao QG para proteger seu líder, o que dificulta a invasão dos israelenses. Estaria Israel disposto a arcar com as consequências de tirá-lo dali à força?

A pedra no caminho – Arafat não é apenas a pedra no caminho de Israel, mas também dos americanos, que há tempos vêm tentando neutralizá-lo. O defensor da expulsão do presidente da ANP, o ministro da Defesa israelense, Shaul Mofaz, deve se reunir com o presidente George W. Bush na próxima semana para barganhar apoio a seu projeto. Mas a Casa Branca já anunciou ser contrária à expulsão do líder palestino. Até porque essa ação poderia resultar num banho de sangue ou, ainda, representar um tiro pela culatra, uma vez que, exilado, Arafat poderia ganhar mais força política entre os palestinos. “Não ajudaria em nada expulsar Arafat, isso só lhe daria outro palco para atuar”, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher. A União Européia, a Rússia, a China e os países árabes como o Egito também se manifestaram contra a expulsão. “É um momento em que as pessoas deveriam fazer todos os esforços para evitar passos que levem a uma escalada de violência”, afirmou a porta-voz da chancelaria da UE, Cristina Gallach. E os Estados Unidos já estão atolados demais nos problemas do Iraque para se meterem em mais uma encrenca no Oriente Médio. Segundo fontes israelenses do jornal Haaretz, a remoção não acontecerá se não tiver o apoio de Tio Sam.

Com a renúncia de Abu Mazen e a nova espiral de violência, o plano road map (mapa da estrada) apresentado pelo presidente George W. Bush perdeu totalmente a rota. Então restou a Washington apoiar o premiê Ahmed Qurei de forma sutil para que também ele não pareça ter sido fabricado pela diplomacia americana. Paralelamente, os EUA apoiariam Israel em um cerco mais apertado a Arafat, impedindo-o de usar seu celular e de receber visitas em seu quartel-general. Desde setembro de 2000, quando Arafat perdeu sua grande chance ao recusar a proposta de paz elaborada pelo então primeiro-ministro Ehud Barak – que lhe oferecia devolução de 97% dos territórios palestinos –, o líder caiu em descrédito entre os israelenses e a nova Intifada começou. Em contrapartida, os palestinos afirmam que enquanto houver ocupação de seus territórios e a perseguição de seus líderes, com matanças de civis, não haverá paz.

As vítimas de ambos os lados são as que continuamente pagam pela ausência de moderação. No atentado de Jerusalém, entre os mortos no Café Hillel estavam o médico judeu David Applebaum e sua filha Nava. O médico ficou famoso exatamente por ser o primeiro especialista no tratamento de vítimas de atentados terroristas. O pai tinha chamado a filha ao café para comemorar o casamento dela, que aconteceria no dia seguinte. Nesse mesmo café, morreu o garçom árabe cristão Shafik Karem, 27 anos. Karem morava em Beit Hanina, na Cisjordânia, e iria receber seu primeiro salário.

Moderação – Antes de abandonar o posto de conselheiro de Sharon, Efraim Halevy, ex-chefe do Mossad (serviço secreto israelense), afirmou ao jornal NY Times: “Para haver uma chance de coexistência israelense-palestina, os palestinos terão de se organizar. Para que eles se organizem, Israel terá de investir pesadamente neles, sem nenhuma garantia de sucesso.” E enquanto isso não acontece, cresce a força dos grupos radicais como o Hamas, que prometeu dar um passo adiante em suas ações terroristas e começar a invadir residências de israelenses, tirando ainda mais o sossego de quem já tem medo de sair de casa. Israel está cumprindo a promessa de liquidar a qualquer custo os líderes dos grupos radicais e de continuar a construir o gigantesco muro de 47,5 quilômetros que separa os territórios palestinos. Como se isso fosse suficiente para evitar novas ações terroristas. Enquanto isso, a conclamada pomba da paz voa bem longe da Terra Santa.