Mais do que as celebrações de luto, duas presenças na televisão americana marcaram o aniversário de dois anos dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A primeira foi a do presidente George W. Bush, no domingo 7, em discurso sóbrio, prestando contas da ocupação americana do Iraque e – contrariando a doutrina unilateralista de seu governo – estendendo a mão à comunidade internacional. O gesto, diga-se, não só pretendia reatar amizades, como também estender o proverbial pires numa coleta de fundos e de homens para a difícil reconstrução do Iraque. A segunda aparição na telinha veio como a de um fantasma: o líder radical islâmico Osama Bin Laden surgiu fazendo montanhismo naquilo que parece a fronteira do Afeganistão com o Paquistão. O videoclipe do terror foi divulgado pela emissora Al Jazira, do Qatar, e supostamente filmado em abril ou maio passados. As imagens tiveram diálogos agregados depois das filmagens, com Bin Laden elogiando os comandos que atacaram os Estados Unidos em 2001. Uma edição que deixou dúvidas sobre a atualidade deste show. Somente o proselitismo de seu braço direito, o egípcio Ayman al-Zawahiri, também juntado à narrativa, trata de assuntos mais recentes, como as guerrilhas iraquiana e palestina. Tanto no caso do presidente americano quanto do fundamentalista saudita, os espetáculos podem não ser o que parecem.

Dúvidas – Pegue-se Bin Laden para análise. As autoridades americanas ainda o dão como vivo. Mas sua última investida, paradoxalmente, não ajuda a derimir dúvidas quanto a essa certeza. “Repare que Osama neste vídeo está visivelmente mais novo do que quando apareceu pela última vez, filmado sentado, pouco antes da guerra no Afeganistão. Até a barba, nesta nova versão, está menos grisalha”, diz Howard Buskirk, expert em terrorismo, que esmiuçou toda a videoteca de mensagens do radical saudita. “É notável também que o cenário de sua caminhada não é o de picos, mas a base de montanhas. Lá estão pedras que rolaram do alto, e até um riacho horizontal. As bases de montanhas são locais perigosos para Osama e sua gangue, pois não apenas existem patrulhas que procuram por ele, mas também revoadas de “Pedrators” (aeronaves americanas pequenas e não tripuladas, com equipamento de espia e capacidade de lançar mísseis). Seria um risco tolo sair das cavernas dos picos das montanhas para se mostrar andando numa região baixa. E, acredita-se, Bin Laden estaria em altitudes espetaculares na fronteira norte da zona tribal do Paquistão”, diz Buskirk. Ele ressalta o fato de que somente o segundo na hierarquia da al-Qaeda, o médico al-Zawahiri, falou de assuntos recentes, enquanto Bin Laden manteve o ramerrão de dois anos atrás. De todo modo, a première da fita no dia 10 de setembro teve o efeito de uma assombração entre os americanos.

Mas há quem acredite que o líder fundamentalista tenha morrido há cerca de um ano e meio, nos combates nas montanhas de Tora Bora, e que não há interesse do governo americano, ou da al-Qaeda, em confirmar seu passamento. Imagina-se que o governo Bush vai esperar o momento certo, em 2004 – possivelmente entre o Dia do Trabalho, comemorado nos Estados Unidos em setembro, e o dia das eleições em novembro –, para finalmente anunciar com fanfarra a morte do bicho-papão Bin Laden. A manobra, caso se confirme, seria capaz de agregar valiosos pontos ao presidente-candidato nas pesquisas de intenção de votos.

Guinada – Enquanto isso não se materializa, Bush vem deslizando nas pesquisas atuais. As mortes diárias de soldados americanos, o stress que a ocupação submete as Forças Armadas de modo geral, a percepção de falta de planejamento para a ocupação do Iraque e as incertezas de uma data para se sair daquele atoleiro recrutam críticos cada vez mais numerosos entre os americanos. Assim, depois de passar prolongadas férias em seu rancho do Texas, o presidente finalmente foi às telinhas no dia 7 último para mostrar aquilo que parece uma guinada em sua doutrina unilateralista. Num discurso sóbrio, Bush prestou contas sobre a ocupação iraquiana. Revelou, pela primeira vez, uma cifra para esta empreitada: US$ 87 bilhões (80% dos quais apenas destinados às operações militares). Deu também sinais de dúvida sobre a capacidade de seu país controlar sozinho o caos no Iraque. Pediu ajuda internacional para essa tarefa. O tom da conversa mudou muito desde que Washington passou por cima da oposição das Nações Unidas à invasão. As indicações são de que os falcões de guerra do Pentágono estão piando menos, já que seu canto de vitória na Mesopotâmia desafinou diante dos custos – humanos e em espécie – da doutrina que forjaram. A hora é dos pombos da paz, e o secretário de Estado Colin Powell encabeça a revoada em busca de uma política mais multilateralista.

Desde o presidente, passando pelo secretário Powell até o linha-dura secretário da Defesa, Donald Romsfeld, todos querem atrair aliados
na ocupação do Iraque. O subsecretário de Defesa, Paul Wolfowitz, considerado pai da idéia da derrubada de Saddam na marra, se
mostrou um falcão de crista baixa, ao testemunhar diante do
Congresso na terça-feira 9. “Nós não temos nenhum interesse
de possuir ou controlar sozinhos este problema do Iraque. Quanto
mais outros países estiverem dispostos a contribuir, mais direitos eles terão de controlar como os recursos serão usados”, disse Wolfowitz,
que até há duas semanas considerava a situação local sob controle
e não queria dividir o mando no país.

A mudança de atitude ainda não parece satisfatória para os membros da ONU com maior capacidade de ajuda. França, Rússia e Alemanha desconfiam da súbita contrição americana. “O discurso do presidente Bush é um documento de desamparo. Ele não tem estabilidade alguma no Iraque. Não tem apoio para a presença americana por lá. Não houve democratização da região. Não houve progresso no ‘road map’ (mapa da estrada), o plano de paz para israelenses e palestinos. E as atividades terroristas não diminuíram”, analisa Eberhard Sandchneider, do Instituto Alemão de Relações Exteriores. “E, com tudo isso, somente as companhias americanas estão com contratos garantidos na milionária reconstrução iraquiana”, diz o alemão. Mesmo assim, na quinta-feira 11, o Conselho de Segurança da ONU concordou em manter os Estados Unidos no comando de um possível contingente de tropas internacionais, mas exigiu a contrapartida de um maior controle político do Iraque para os iraquianos e a ONU. Colin Powell, porém, ridicularizou a idéia e mostrou que seu país ainda não está pronto para este compromisso. Desse modo, é difícil conseguir aliados, ou se acreditar numa real mudança doutrinária.

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