Brasil brilhou nos últimos dias em torneios pré-olímpicos, sul-americanos, campeonatos mundiais e sobretudo nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, na República Dominicana. O saldo foi um razoável punhado de medalhas. Mas, enquanto os atletas davam saltos, raquetadas, chutes e braçadas a caminho do pódio, outros 19 brasileiros faziam bonito e ganhavam dois ouros, dois bronzes e sete diplomas de mérito numa olimpíada em que as estrelas, em vez de esportistas, são os mais brilhantes alunos de cursos técnicos do mundo. E a arma de conquista não é a habilidade esportiva, e sim o poder dos neurônios e a precisão profissional. Representado pelos estudantes do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o País terminou em décimo lugar geral no quadro de medalhas da 37ª WorldSkills Competition, a olimpíada mundial do ensino profissionalizante, disputada na bela cidade suíça de St. Gallen, na fronteira com a Alemanha, a Áustria e o Principado de Liechtenstein.

Osmar Frison, 18 anos, e Wertson Rezende, 20, ganharam ouro respectivamente em eletricidade industrial e mecânica de refrigeração. Eduardo Alcântara, 21 anos, da categoria de mecânica de precisão, e Lucas Castoldi, 18, de eletricidade predial, levaram bronze. Quem não ganha medalha, mas atinge pelo menos 500 pontos de acordo com os critérios de avaliação, recebe um diploma de mérito. O Brasil ganhou sete, entre eles os de mecatrônica, informática e design gráfico, este último pela paulista Ana Carolina Romero, única mulher do time. Por tudo isso, a exemplo do que ocorreu com as feras do Pan, os medalhistas do ensino deverão ser recebidos nos próximos dias pelo presidente da República. “Como os atletas, esses alunos são mestres na arte da superação”, compara o físico José Manuel de Aguiar Martins, diretor do Senai e coordenador da equipe na Suíça.

A euforia é justificada. A equipe disputou apenas 17 das 44 categorias
da competição – o suficiente para deixá-la, no quadro de medalhas, à frente de França, Inglaterra, Holanda, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia. Mais da metade desses países concorreu em pelo menos 30 modalidades. Coréia do Sul (24 medalhas; dez ouros), Suíça (20 medalhas; oito ouros) e Japão (11 medalhas,
seis ouros), os líderes do quadro, tiveram representantes em todas
as categorias. Todos eram estreantes em viagens internacionais. Alguns nem sequer tinham deixado ainda seus Estados de origem. A euforia
do medalha de ouro Rezende na festa de encerramento chegava
a comover. “Enrolei-me um pouco para discar aquele montão de
números (no telefone) e falar com a minha mãe lá no Rio Grande
do Norte. Depois, perguntei assim: ‘O que a senhora acha de ter
um filho campeão do mundo?’”

A WorldSkills, uma associação sem fins lucrativos de países e organizações nacionais de promoção do ensino técnico, existe desde 1950, quando a primeira olimpíada foi realizada na Espanha. O objetivo principal é levar os concorrentes a reproduzir, em seus países, as soluções tecnológicas mais eficientes. O modelo olímpico é adotado pela identificação dos jovens estudantes com os ídolos do esporte. Chegaram a ser feitas anualmente, mas, com o aumento do número de países, passaram a ser realizadas a cada dois anos. A importância assumida nas duas últimas décadas impressiona até mesmo os dirigentes. Hoje, são encaradas na Europa e na Ásia como fundamentais para a evolução do ensino técnico no mundo. A modesta competição lançada na Espanha, com menos de dez países competidores, cresceu até se transformar, na Suíça, em uma festa gigantesca com 693 competidores de 37 países, acompanhados durante quatro dias por 180 mil pessoas de toda a Europa. Os gastos para organizar a maratona bateram nos US$ 25 milhões, ou cerca de R$ 75 milhões, incentivados por 25 patrocinadores, entre eles pesos pesados como a Audi, a Microsoft e o grupo de telecomunicações Swisscom. Helsinki, na Finlândia, vai abrigar a competição de 2005. Para isso, irão gastar pelo menos US$ 15 milhões a mais. A cidade japonesa de Shizuoka fará a de 2007. Noruega, Holanda e Dinamarca travam uma disputa digna das modalidades mais concorridas para levar a de 2009.

A evolução dos competidores brasileiros, na disputa desde 1981, é tratada com ares de “case” de sucesso pelos organizadores. O exemplo foi dado em St. Gallen a mais de 100 jornalistas de todo o mundo, na primeira entrevista coletiva do secretário-geral das olimpíadas suíças, Daniel Sommer, antes do início das competições. “Há 20 anos, o sr. Spada, com os brasileiros entre os últimos, perguntou-me: ‘O que faço?’ Respondi: ‘Neste momento, apenas perder, esperar, voltar e aprender, pois o nível de seus meninos ainda não é competitivo.’” E concluiu: “Em 1995, na França, o Brasil ficou em terceiro. Em 2001, em Seul, conquistou o sexto lugar, outro ótimo resultado. Não temos exemplo mais convincente de como o intercâmbio pode ajudar a diminuir defasagens.” “Sr. Spada” é o paulista Roberto Monteiro Spada. Professor, diretor da escola Suíço-Brasileira em São Paulo, delegado técnico do time brasileiro até hoje e um dos educadores do Senai mais entusiasmados com o projeto, acaba de ser eleito vice-presidente da WorldSkills. Sonha em realizar uma olimpíada dessas no Brasil. Martins, Spada e equipe levaram os alunos para aprender novos caminhos. E, de certa forma, aprenderam tão rápido quanto eles.