O presidente da República, dias atrás, num de seus discursos, investiu contra aqueles que o reprovam pelo excessivo gosto por viagens ao Exterior. Lula, com sua verve peculiar, disse que é criticado por viajar demais para fora do País, mas que, se fosse o contrário, se por aqui ficasse, também seria criticado: “Iam dizer que eu viajo pouco porque não sei falar inglês!”

Na realidade, à parte a eficiência da frase de efeito, o que importa é que as preocupações além-fronteiras do presidente fazem parte de um plano claramente desenhado para recolocar o Brasil no panorama internacional (leia reportagem à pág. 26). E a estratégia fundamental para isso é formulada na teoria do ataque e da defesa em bloco. As preocupações em aglutinar e ampliar o Mercosul e avançar para além do continente em direção à China, Índia, Rússia e África do Sul revelam a necessidade de compactar a defesa contra os ataques, na área do comércio, de Estados Unidos e União Européia. Os eventos da semana mostram que a coisa está funcionando. O balneário mexicano de Cancún hospedou a 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), tradicional teatro de operações da guerra comercial entre os países ricos e os chamados pobres ou emergentes, e o resultado da batalha, pode-se dizer, foi bem melhor que o das reuniões anteriores, como nos relata a reportagem de Célia Chaim, à pág. 28. Apesar das manobras que antecederam a refrega – como os telefonemas disparados pelo presidente George W. Bush a vários países, inclusive o Brasil, na tentativa de dispersar o rebanho –, a novidade do encontro foi a formação de um grande e compacto grupo de nações, o G-21, que está em processo de crescimento, formado por países “periféricos” com bastante força de negociação graças à união.

Outro fato importante foi a queda-de-braço da Argentina com o FMI, e a surpreendente vitória de Néstor Kirchner. Lula, em relação aos nossos irmãos portenhos, vem tomando cuidados exemplares para não ferir suscetibilidades exacerbadas pelas dificuldades econômicas. A liderança brasileira vem sendo sabiamente dosada para não demonstrar excesso de interferência e evitar eventuais arroubos de arrogância. O embate Argentina x FMI tinha não só o conhecimento brasileiro como sua óbvia torcida e efetiva discussão de táticas. E a vitória foi comemorada com estratégica discrição.