O setor elétrico está provocando um curto-circuito na cabeça do físico Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás. Ele assumiu a estatal, logo após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a esperança de ver implantado um novo modelo energético, que prevê, num planejamento estratégico de longo prazo, a expansão hidrelétrica do País. As pressões das empresas privadas, segundo Pinguelli, podem inviabilizar seus planos. O setor privado quer indexar ao dólar a tarifa de energia elétrica. “Isso não é possível aceitar”, reage Pinguelli, um dos principais articuladores do programa energético do PT. Ele alerta para a iminência de um novo apagão caso o País não se prepare para o “espetáculo do crescimento”. Se o plano do governo de voltar a crescer der certo, “não estaremos preparados para abastecer o País”. Em entrevista a ISTOÉ, ele criticou o modelo energético herdado de Fernando Henrique Cardoso e apontou os gargalos a serem enfrentados de imediato, antes que um apagão deixe o Brasil no escuro, como ocorreu em Londres e em Nova York.

ISTOÉ – O fantasma do apagão ainda ronda
o setor elétrico brasileiro?
Luiz Pinguelli Rosa –
Tudo depende do espetáculo do crescimento.
Se a economia voltar a crescer como quer o governo, teremos sérios problemas. O setor elétrico está trabalhando com uma certa folga de energia, que poderá ser rapidamente consumida. Essa folga gira em torno de seis gigawatts de energia. Isso quer dizer que a volta do apagão está intimamente ligada ao fim da recessão.

ISTOÉ – De onde vem tanta sobra de energia?
Pinguelli –
É um conjunto de fatores. O racionamento impôs novos padrões de consumo. A recessão prolongada teve um impacto negativo sobre o setor elétrico. Além disso, as obras de emergência feitas após o apagão jogaram mais energia no mercado. A conclusão à qual chegamos é de que existe uma oferta adicional de energia, que, infelizmente, chegou na hora errada.

ISTOÉ – Por que não estão descartados novos apagões?
Pinguelli –
Se o remédio que está sendo aplicado pelo governo Lula der certo, o País voltará a crescer. Todos torcemos por isso. É aí que começam nossos problemas. Se apostamos no reaquecimento da economia, precisamos nos preparar desde já. Está faltando investimento na proporção necessária ao nosso desejo de voltar a crescer.

ISTOÉ – Quanto a Eletrobrás deveria investir para garantir a volta do crescimento sem sobressaltos?
Pinguelli –
Existem diferentes tipos de crescimento. Se adotarmos a tradição do passado, podemos prever um crescimento da economia em torno de 3% ao ano. Se essa previsão se confirmar em 2004, o Brasil teria de aumentar sua geração de energia e engordar seus investimentos chegando a R$ 10 bilhões, sem falar em investimentos na distribuição e na transmissão de energia. A capacidade instalada do País é de 80 gigawatts, mas estamos consumindo efetivamente 65 gigawatts. É claro que esse investimento não precisa começar a ser desembolsado imediatamente. Não é terrorismo. Se projetarmos um crescimento econômico ainda mais otimista, de 5% ao ano, precisaríamos começar a investir R$ 15 bilhões.

ISTOÉ – Qual é o investimento atual?
Pinguelli –
É preciso deixar claro que apenas a Eletrobrás investe no setor elétrico. Não está saindo um único tostão dos cofres das empresas privadas. O investimento da Eletrobrás em geração é de R$ 3,5 bilhões. Os projetos são a duplicação de Tucuruí, que hoje produz quatro gigawatts, e a instalação de novas turbinas em Itaipu, o que aumentará sua capacidade instalada de 11,4 gigawatts para 14 gigawatts. Logo que assumi a presidência da Eletrobrás, esse volume de investimento era um pouco maior, de R$ 3,8 bilhões. Acabou havendo uma redução para
R$ 3,5 bilhões. Isso sem falar nos recursos que repassamos ao setor e também o que somos obrigados a deixar parado no Tesouro, para garantir a meta de superávit primário. Nossos investimentos totais chegam a R$ 8,5 bilhões na economia nacional.

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IstoÉ – Por que o setor privado não investe?
Pinguelli –
Eles alegam que estão inseguros com relação à regulamentação. Isso é uma grande mentira. O setor privado já não investe há muito tempo. O apagão foi consequência da falta de investimento. Por causa do programa de privatização, as estatais foram proibidas de investir. Ficaram totalmente paralisadas. O governo Fernando Henrique criou uma situação surreal ao privatizar. O setor privado entrou nos leilões apostando numa paridade com o dólar. Quem falasse o contrário era taxado de dinossauro. Se a situação não mudar, estaremos caminhando a passos largos para um novo apagão, no caso da retomada do crescimento. O problema é que, como o novo modelo ainda não foi aprovado, a Eletrobrás, com base no modelo anterior, tem restrições que precisam ser eliminadas. A demora na aprovação do novo modelo do setor elétrico está me deixando muito preocupado.

ISTOÉ – Se a situação é tão grave, por que não se
aprova logo o novo modelo?
Pinguelli –
Porque as pressões políticas são grandes. Com tantos interesses conflitantes, não está sendo fácil para a ministra (Dilma Roussef). Todos os envolvidos, de produtores a distribuidores, da geração aos fabricantes nacionais e estrangeiros, querem propor mudanças. As maiores pressões estão vindo das empresas, sobretudo as estrangeiras, com a expectativa de vincular o dólar ao preço da tarifa. Isso o governo não pode admitir.

ISTOÉ – Como enfrentar essas pressões?
Pinguelli –
Prefiro me ater aos problemas da Eletrobrás. Se o novo modelo do setor elétrico não entrar em ação logo, teremos em breve
uma situação esdrúxula: o consumidor irá pagar cada vez mais caro
pela energia. Pelo modelo adotado no governo anterior, ficou acertado que a energia gerada pela Eletrobrás seria paulatinamente substituída pela gerada pelo setor elétrico. Em janeiro deste ano, 25% da energia que era gerada pela Eletrobrás foi descontratada. Em janeiro de 2004, novos 25% serão descontratados. Enquanto isso, o consumidor está deixando de comprar energia barata da Eletrobrás para comprar energia privada cara. Se o novo modelo não for aprovado em tempo, teremos o País mais louco do mundo.

ISTOÉ – Mesmo endividado, o setor privado ainda tem força para pressionar o governo?
Pinguelli –
Na filosofia pura do neoliberalismo, quem perde paga. Nos Estados Unidos é assim, mas aqui não. Como somos grandes devedores, vivemos com a faca no pescoço, temerosos de que os credores venham nos castigar. O setor privado pode entender, por exemplo, que é pecado cobrar dívidas ou não se submeter às pressões. Se nos subtermos às pressões, corremos o risco de ter um novo modelo do setor elétrico bastante diferente daquele originalmente planejado.
 


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