Otalha-mar é uma ave que pesca beijando a água. Faz um elegante vôo rasante, abre o longo bico, recolhe o alimento e segue seu rumo. Talha-mar também é o nome do novo avião do aventureiro profissional Gérard Moss, que transformou um hidroavião monomotor Lake Renegade, da americana Sun Lake Aircraft, no primeiro laboratório aéreo do País. Com ele, vai voar durante um ano para recolher amostras de água doce de mil pontos espalhados por centenas de rios e lagos do Brasil e traçar um retrato da poluição das águas. “O hidroavião é o veículo ideal porque passa de uma bacia hidrográfica para outra em questão de horas, o que é impossível com uma embarcação”, diz o aviador suíço naturalizado brasileiro.

Moss dedicou boa parte da vida à aventura. Filho de um piloto de rali, aos 13 anos ele foi da Suíça para Paris de mobilete. Conheceu o Leste Europeu no auge do comunismo, velejou da Califórnia ao Havaí e atravessou a Austrália de cabo a rabo num jipe. Depois, se apaixonou pelo ar e desde então começou a voar pelo mundo com a mulher, Margie, e com o ursinho de pelúcia Monte, seu talismã da sorte. Monte conheceu os extremos do continente americano e deu duas voltas ao mundo. No total, voou mais de 250 mil quilômetros.

A última peripécia do aventureiro foi dar a volta ao mundo no motoplanador gaúcho Ximango. Foram 55 mil quilômetros solitários e perigosos. Moss foi detido por oficiais vietnamitas por suspeita de espionagem, cruzou a Sibéria, enfrentou tempestades e foi escoltado por jatos F-15 japoneses. A parte mais perigosa da viagem foi encarar 12 horas ininterruptas para cruzar o oceano Atlântico, onde ele chegou a cochilar no manche. No caminho, além de belas fotos, colheu dados sobre a poluição do ar.

Em sua nova aventura científica, Moss equipou o Talha-mar com sondas, aparelhos medidores, câmeras fotográficas, aparelho de localização por satélite e um inédito sistema que permite recolher amostras de água sem precisar pousar. Basta fazer um vôo rasante a 100 km/h para o Talha-mar recolher a água com a ajuda de um coletor projetado em seu casco, como a ave do mesmo nome.

O beijo do Talha-mar de Moss servirá para recolher amostras dos
rios Amazonas, São Francisco e Paraná e de lagoas como a dos Patos, no Rio Grande do Sul. Os locais de medição foram determinados com
a ajuda de 18 cientistas de universidades paulistas e cariocas das
mais diversas áreas – geógrafos, biólogos, geólogos, especialistas
em poluição e em agrotóxicos.

Parte das amostras será analisada na hora por uma sonda. O aparelho vai checar temperatura, quantidade de oxigênio, condutividade e presença de poluentes como amônia, nitratos e cloretos. Esses dados serão enviados ao quartel-general da missão no Rio de Janeiro através de equipamentos da Embratel, patrocinadora da expedição ao lado da Petrobras. De lá, seguem para o site do projeto, www.brasildasaguas.com.br. Basta clicar num mapa do Brasil com os pontos visitados por Moss para ter acesso aos dados.

“O projeto pode levantar dados inéditos”, diz Marcos de Freitas, diretor de tecnologia e informação da Agência Nacional das Águas (Ana), uma das parceiras na empreitada. Atualmente, a Ana possui cinco mil pontos de medição de água, mas apenas 400 deles são capazes de obter dados sobre poluição. Os demais servem para analisar nível das águas e índice de chuvas. “Dependendo dos resultados, podemos adotar um hidroavião no futuro”, diz Freitas.

Outra parte das amostras de água recolhidas pelo Talha-mar será congelada em nitrogênio líquido a 190o negativos. Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) usarão esse material para mapear a presença de bactérias aquáticas, o que pode ser um bom indício da qualidade ambiental da água. “É uma oportunidade única de se analisar amostras de uma área tão grande”, diz o especialista em poluição Rodolfo Paranhos, da UFRJ. Para recolher amostras dos mil pontos espalhados pelo País, Moss levará um ano, prazo necessário para cobrir todo o território nacional. Ao término da expedição, e se tudo correr conforme o planejado, o aventureiro terá voado mais de 100 mil quilômetros – o dobro do que percorreu em sua última volta ao mundo.