Asif-Ali-Zardari-1.jpg
O presidente paquistanês Asif Ali Zardari 

A eliminação de Osama Bin Laden por um comando americano no Paquistão, perto de uma prestigiada escola militar, foi um balde de água fria nos poderosos serviços de inteligência paquistaneses, colocando em evidência sua incompetência e acendendo suspeitas de cumplicidade. Apesar destas suspeitas, que claramente aparecem nas declarações de membros do governo americano, ninguém do comando do poderoso exército paquistanês ou de seus serviços secretos se manifestou publicamente.

As autoridades civis afirmam, por sua vez, que não sabiam onde Bin Laden se escondia, deixando que as críticas recaiam sobre o temido Inter-Services Intelligence (ISI), que depende dos militares. "Vamos investigar as causas do que aconteceu, mas é importante não cair em alegações de cumplicidade", declarou o embaixador paquistanês em Washington, Hussein Haqqani.

Criados em 1948, depois da independência, os serviços de inteligência desempenharam um papel importante em um país dirigido diretamente pelo exército durante mais da metade de sua existência. O ISI também foi utilizado pela CIA para alimentar com armas pagas pelos Estados Unidos os combatentes muçulmanos afegãos que lutavam contra a União Soviética nos anos 80, os "mujahedines" que, segundo especialistas, deram origem posteriormente ao movimento talibã.

Embora Islamabad tenha se posicionado formalmente ao lado dos Estados Unidos na luta contra Bin Laden, os países ocidentais e a Índia, seu arqui-rival, alimentam suspeitas de vínculos entre os serviços secretos paquistaneses e os talibãs afegãos. Dez dias antes da operação americana contra Bin Laden, o oficial americano no topo da cadeia de comando, general Michael Mullen, acusou o ISI de manter relações com os insurgentes da rede afegã Haqqani, aliada à Al-Qaeda. "Isso não quer dizer que sejam todos no ISI, mas é um fato", declarou.

Relações tensas

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Para alguns analistas, existem tensões no seio do ISI, já que alguns de seus líderes consideram que os combatentes islamitas representam uma crescente ameaça interna. Os atentados dos talibãs paquistaneses aliados à Al-Qaeda provocaram mais de 4.200 mortes em quatro anos no Paquistão. E a operação contra Bin Laden, além disso, aconteceu em um momento no qual as relações entre o ISI e a CIA encontravam-se particularmente tensas.

Durante alguns meses, Islamabad e Washington viveram momentos de animosidade devido a um agente da CIA, preso no Paquistão pelo assassinato de dois jovens paquistaneses. O agente foi libertado em março, após o pagamento de dois milhões de dólares às famílias das vítimas a título de indenização. Mas Islamabad pediu aos Estados Unidos que reduzissem drasticamente o número de agentes da CIA e de suas forças especiais no Paquistão.

Os EUA não informaram o Paquistão sobre a operação contra Bin Laden, o que é interpretado como um sinal de desconfiança – e de que Washington desejava manter segredo absoluto a respeito. Para Imtiaz Gul, analista paquistanês especialista em segurança, os Estados Unidos dificilmente conseguirão acreditar que ninguém no ISI sabia onde Bin Laden estava. "Algumas pessoas, pelo menos no coração do aparato de segurança, provavelmente sabiam" onde ele estava escondido, estima.

EUA cobra explicações

Os Estados Unidos já avisaram: vão explicar como Osama Bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda, conseguia viver sem ser incomodado em uma mansão de luxo no Paquistão, à medida que os detalhes da operação americana que o matou vêm à tona, tornando cada vez mais embaraçosa a situação de Islamabad.

Segundo as autoridades americanas, exames de DNA confirmaram, de maneira definitiva, que o homem assassinado pelo comando de elite da Marinha em Abbottabad era de fato Osama Bin Laden. "Nós o pegamos", disse Obama a seus principais chefes militares, que se reuniram com ele no domingo na Casa Branca para acompanhar ao vivo a dramática operação no Paquistão, de acordo com a imprensa americana.

O clima de tensão na Sala de Situação só foi quebrado quando o diretor da CIA, Leon Panetta, indicou através de um código o sucesso de seus homens: "Geronimo" – Bin Laden, para os serviços secretos – "EKIA" – era um "inimigo morto em ação" ("enemy killed in action) naquele momento.

O mundo, agora, tenta compreender de que maneira o homem que ordenou os ataques de 11 de setembro, que mataram cerca de 3.000 pessoas – o terrorista mais procurado da história – passou da vida nômade de combatente refugiado na árida região montanhosa na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão para residente de uma luxuosa vila, cercada de medidas de segurança, a poucos quilômetros da capital paquistanesa.

John Brennan, principal assessor do presidente para assuntos de combate ao terrorismo, disse ser "inconcebível" a ideia de que Bin Laden vivesse em Abbottabad sem uma rede de apoio no Paquistão, aliado crucial dos Estados Unidos na "luta contra o terror" lançada em 2001 pelo então presidente George W. Bush.

Passada a euforia da noite de domingo, onde comemorações populares tomaram as ruas de Nova York e Washington, um sentimento de revolta passou a dominar o discurso de alguns parlamentares americanos, que exigem explicações das autoridades em Islamabad: como é possível que Bin Laden vivesse confortavelmente instalado bem debaixo de seus narizes? Em um país que recebe bilhões de dólares em ajuda dos Estados Unidos anualmente?

A bucólica Abbottabad abriga o equivalente paquistanês das academias militares de West Point (EUA) e Sandhurst (Reino Unido), e é popular tanto entre militares aposentados quanto entre turistas, situada a apenas duas horas de carro de Islamabad. A operação do comando de elite SEAL, da Marinha americana, que teria durado menos de 40 minutos, tinha como alvo um complexo altamente fortificado, avaliado em um milhão de dólares, que se destacava claramente na paisagem pelos altos muros com vigias e pelo forte esquema de segurança que o cercava.


No Afeganistão e na Índia, líderes do governo alegam que a descoberta de Bin Laden tão perto de Islamabad comprova suas acusações de que o Exército e o serviço secreto paquistaneses mantinham uma relação dupla com os Estados Unidos. Em um artigo publicado nesta terça-feira no jornal Washington Post, o presidente paquistanês Asif Ali Zardari defendeu seu país das acusações de leniência em relação a Bin Laden, mas manteve o silêncio sobre eventuais falhas do serviço de inteligência. 

"Apesar dos eventos de domingo não terem sido uma operação conjunta, uma década de cooperação e parceria entre os Estados Unidos e o Paquistão levou à eliminação de Osama Bin Laden, uma ameaça permanente ao mundo civilizado", escreveu Zardari, sem explicar como o líder da Al-Qaeda conseguira se fixar em seu território de maneira tão escancarada. "Ele não estava em um lugar onde indicara que poderia estar, mas agora ele está morto", acrescentou.

John Brennan destacou que o Paquistão não foi informado em nenhum momento sobre a operação americana para capturar Bin Laden. As autoridades paquistanesas foram notificadas apenas quando os helicópteros militares dos Estados Unidos já deixavam o espaço aéreo do país com o corpo do líder terrorista a bordo.

 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias