Uma obra social ou eleitoral visando a reeleição? Eis a polêmica. Enquanto as divergências dentro e, principalmente, fora do PT sobre a eficiência, custos, tamanho e abrangência da criação de 21 Centros Educacionais Unificados (CEUs), o maior cartão postal da administração da prefeita Marta Suplicy, correm soltas, na periferia a conversa é outra. O entorno da cidade de São Paulo, onde estão localizadas as regiões mais violentas e esquecidas pelo poder público, é o cenário para a instalação dos escolões de 13 mil metros quadrados,
com piscinas aquecidas, quadras de esportes, teatros e outros itens classificados de “luxos” pelos adversários de Marta. Ela rebate as críticas e segue, com apoio das famílias carentes, inaugurando os CEUs nos bairros pobres da cidade mais rica da América Latina. Cinco deles já estão funcionando. Enquanto as controvérsias continuam, a periferia prefere a máxima do carnavalesco Joãosinho Trinta: “Quem gosta de miséria é intelectual. Pobre gosta de luxo.”

O presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no
Ensino Municipal e vereador do PCdoB, Cláudio Fonseca, questiona
a contribuição dos CEUs para a melhoria do ensino e ressalta que é preciso garantir educação de primeira qualidade para todas as crianças
e adolescentes. “É necessário fortalecer todas as escolas públicas e
não apenas algumas que serão usadas como cartão postal do governo municipal”, afirma. Os tucanos mais bicudos não titubeiam e classificam
a obra como mais uma jogada de marketing bolada pelo mago da propaganda Duda Mendonça. Dentro do PT, algumas vozes fazem reverberar o eco oposicionista. Os programas sociais capitaneados
pelo secretário de Desenvolvimento Trabalho e Solidariedade, Márcio Porchman, seriam peças mais importantes embora não possam ser transformados em imagem de tevê e, consequentemente em boas
peças eleitorais. No entanto, essas iniciativas mudaram o perfil dos
cerca de 50 distritos administrativos onde os programas de distribuição de renda estão sendo implantados, beneficiando 288 mil famílias em dois anos, mais de 1,2 milhão de pessoas, ou 12% da população do município. Nos 13 primeiros distritos-alvo houve uma redução de 44% nos índices
de evasão escolar, 10% de queda nos números de morte violenta e 11,2% na arrecadação do ISS.

Padrinho – Marta, que sente a brisa da popularidade soprar a seu
favor nas últimas pesquisas, foi posta no purgatório por ter criado
mais duas taxas (lixo e iluminação pública) e ter aumentado em determinadas regiões mais privilegiadas o valor do IPTU. Martaxa,
como está sendo chamada pelos críticos de plantão, em ritmo eleitoral dispara: “Os prefeitos nunca tiveram a coragem de tomar medidas impopulares. Eu tive. A administração financeira que estou fazendo
pode não ser reconhecida agora, mas vocês verão no futuro.” Mas
o que imuniza a prefeita das críticas, além da sua popularidade na periferia, é a decisão do Planalto de transformar a sua reeleição em prioridade máxima. Lula tem se dedicado pessoalmente à empreitada.
Já esteve ao lado da prefeita várias vezes em eventos públicos. Uma delas na inauguração do primeiro CEU, no início de agosto. O próximo grande evento será no dia 20, quando será padrinho de casamento
de Marta com o argentino Luiz Favre.

“A periferia merece o CEU e muito mais”, defende a empregada doméstica Zélia de Oliveira, 29 anos, moradora de Guaianases. Baiana de Riacho de Santana, ela tem três filhas. Apenas a mais nova, Bianca, de dois anos, está matriculada no Jambeiro. Ela está desempregada e o marido, que é pedreiro, também. “Deixar Bianca aqui tem sido uma mão na roda. Eles cuidam, dão comida, banho e até trocam a fralda.” Zélia avalia as críticas aos CEUs do seu jeito: “Só critica quem pode pagar escola particular, não conhece as nossas dificuldades e se esquece de que pobre também tem direito ao que é bom.” O estudante do 2º colegial Cleber Manuel da Silva, de 19 anos, há tempos nutria o sonho de fazer um curso de computação. Ele conseguiu se inscrever em uma das turmas de informática do CEU. “Quero me preparar para o mercado de trabalho. Meu pai era um alcoólatra e morreu faz dois anos. Moro com a minha mãe e ela está desempregada. Um colégio assim tira as crianças das ruas e das más companhias, além de ensiná-las a aproveitar melhor o seu tempo”, diz.

O professor da Faculdade de Educação da USP, Afrânio Mendes Catani, especialista em gestão Estado-Educação, ressalta que os CEUs têm, de fato, um grande componente eleitoral, mas que não invalida o seu fim: atingir a população que não é assistida. “Acho essas escolas bem razoáveis e não é por aí que se ataca a prefeita”, afirma o especialista, um crítico de Marta quando se trata de tributos. Segundo ele, o importante para que o projeto não morra na praia das eleições está na capacitação dos professores. Eduardo César Marques, professor do Departamento de Ciência Política da USP, adverte que para trazer resultados é preciso que os CEUs estejam articulados a um projeto de política educacional mais amplo. Quanto à proposta de levar a estas comunidades esporte e cultura, chama atenção para não se cair na tentação de massificar uma política cultural dissociada da escola, da educação. “Não bastam cursos e eventos. Tem que se produzir, no local, demanda”. O CEU, por mais bem-intencionado que seja, pode não ser o limite para inclusão social.