A música Recomeçar, de Paulinho da Viola, poderia servir para celebrar o clima de reconciliação que tomou conta do cinema do Palácio da Alvorada, na terça-feira 9: “Toda ferida um dia tem que fechar”, diz a letra. A calmaria chegou para Paulinho e o ministro da Cultura, Gilberto Gil. E o presidente Lula e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um dos principais caciques da oposição, esqueceram o vendaval. Reunidos para assistir ao filme Meu tempo é hoje, um documentário sobre Paulinho dirigido por Izabel Jaguaribe, os quatro acertaram os ponteiros. As feridas entre Gil e o amigo compositor eram resquícios do réveillon de 1995, quando a Prefeitura do Rio de Janeiro contratou Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gal Costa, Paulinho e o hoje ministro para um show em homenagem a Tom Jobim, mas o portelense recebeu um cachê três vezes menor que o dos colegas. Entre Lula e Tasso as rusgas existiam por causa da reforma tributária,
da qual o senador era o crítico mais virulento.

Talvez inspirados pela magnanimidade de Paulinho, no dia seguinte, Lula
e os ministros José Dirceu, da Casa Civil, e Antônio Palocci, da Fazenda, autorizaram os líderes da base governista na Câmara a fazer concessões aos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e de Minas Gerais, Aécio Neves, ambos do PSDB. O governo aceitou o argumento. O fisco paulista será compensado pela isenção do ICMS sobre venda de bens
de capital e os mineiros do Vale do Jequitinhonha serão atendidos pelo recém-criado Fundo de Desenvolvimento Regional.

A reforma tributária foi aprovada com folga, na quarta-feira 10,
graças ao reforço de 35 votos de deputados do PSDB. Com o acordo,
os tucanos decidiram não alterar a reforma tanto assim. Retiraram
da votação 14 emendas que modificavam completamente o projeto
da nova lei tributária. O líder da bancada na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior (BA), inseriu no texto o pagamento de tributos estaduais e municipais no sistema simplificado de pagamento de impostos – o Supersimples. Na hora da votação criticou a reforma, mas pediu
votos a favor. “Não conseguiríamos derrotar o governo, mas pelo
menos aprovamos o Supersimples e evitamos perdas maiores para
São Paulo e Minas”, justificou Jutahy. Com tanta sedução, o governo rachou de vez as bancadas do PSDB no Congresso.

Xadrez – O acordo avalizado pelo líder tucano na Câmara não agradou à ala oposicionista do PSDB. O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) também votou a favor, mas preferia ser contra para credenciar o PSDB como adversário do PT na política nacional. “Estamos perdendo a oportunidade de sermos o contraponto ao PT na sociedade. Vamos terminar deixando isto para o PFL”, lamentou. O líder do partido no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), criticou o acordo feito pelos deputados. “Aqui no Senado não vamos permitir acordos isolados como ocorreu na Câmara. Vamos incluir sempre o PFL e o PDT” , prometeu Virgílio.

Ao contrário de Jutahy, Virgílio considerou o acordo prejudicial principalmente aos Estados pobres do Norte e Nordeste. “A proposta do governo é uma tentativa de enganar o mercado, mas na hora de fazer as contas todos vão perceber que a reforma tributária é um monstrengo que prejudica os Estados periféricos e beneficia São Paulo”, criticou Virgílio. Em discurso no plenário do Senado, o líder oposicionista prometeu impedir todas as votações de interesse do governo.

O racha na oposição também atingiu o PFL. Mesmo com a orientação contrária à votação feita pelo líder José Carlos Aleluia (BA), 19 deputados do partido votaram a favor do governo. Com o racha provocado pela sedução do governo, o filme das emendas da Previdência e da tributária está perto de um final feliz. Um outro samba de Paulinho, Brancas
e pretas
, também pode servir como hino do xadrez político: “As
pedras ali não têm limo / E mudam de rumo / Por conveniência /
Ou por não acharem saída.”