A posição mais assertiva que o Brasil adotou na Organização Mundial do Comércio (OMC) não surpreende. Depois de nove meses, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva já mostrou que sua política externa está vários tons acima da diplomacia de seu antecessor. A continuar nessa toada, é provável que, ao final de quatro anos, o Brasil ocupe um espaço muito mais amplo no fechado concerto internacional das nações. Nesse particular, não se trata apenas de discursos, nem só da necessária priorização do Mercosul. Ao mesmo tempo em que conquistou a indispensável credibilidade externa às custas de um política econômica interna austera e conservadora, há na política externa do governo Lula ações concretas e muito mais agressivas. “Há uma diferença marcante entre
a atual política externa e a anterior: a ênfase muito mais efetiva na defesa dos interesses brasileiros, tanto no âmbito da Alca quanto no
da OMC, e um exemplo foi a vitória do Brasil em Cancún, quando o
G-21 conseguiu a prioridade para a discussão sobre a abertura dos mercados para os produtos agrícolas dos países emergentes”, disse
o cientista político Antonio Carlos Peixoto, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj).

O lado mais vistoso dessa nova postura diplomática é a posição brasileira em relação à América do Sul. “O presidente Lula tem buscado a integração do continente sul-americano com uma intensidade que nunca ocorreu na história”, disse o chanceler Celso Amorim em recente entrevista a ISTOÉ. De fato, em nove meses de governo, o presidente Lula fincou importantes estacas para a consolidação de uma posição regional comum em torno da globalização. A idéia é fazer de toda a América do Sul uma zona de livre comércio, inclusive para enfrentar, em bloco, as negociações sobre a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), pretendida principalmente pelos EUA. Em 25 de agosto passado, o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), graças ao empenho de Lula, assinou um tratado econômico com o Peru, do qual faz parte a inclusão do país vizinho ao Sivam (sistema de vigilância da Amazônia). Ou seja, o Brasil repassará ao Peru os dados do Sivam para combater desmatamentos e tráfico de drogas.

Menos de 24 horas depois, Lula esteve na Venezuela e lá assinou um outro acordo para aprofundar as relações comerciais entre os dois países e o Mercosul. A idéia é que, até o final deste ano, também sejam firmados acordos comerciais com a Colômbia e o Equador. Em relação à Colômbia, aliás, a posição do Brasil é ainda mais agressiva. “Vou dizer ao companheiro Uribe (Álvaro Uribe, presidente da Colômbia) para que ele comece a considerar mais seriamente a possibilidade de se aproximar do Brasil e não ficar achando que os EUA irão ajudá-lo”, disse Lula. O presidente brasileiro deverá estar na Colômbia na próxima semana e carregará na agenda duas pautas arrojadas: a primeira é a de iniciar as tratativas para o livre comércio entre a Colômbia e o Mercosul. A segunda é reafirmar que o Brasil pode servir de território neutro para negociações de paz entre o governo colombiano e a guerrilha.

Mas a nova diplomacia não se resume à ampliação do Mercosul. Sem fazer alarde, o Brasil assinou importante acordo com a Ucrânia em torno da Base Aérea de Alcântara. Os ucranianos usarão a base do Maranhão para fazer seus lançamentos, mas os foguetes serão desenvolvidos em território nacional, com a participação de técnicos brasileiros, o que significa uma efetiva garantia de transferência tecnológica. O ministro da Defesa, José Viegas Filho, confirma que o Brasil também está em negociações com a Rússia buscando parcerias tecnológicas para o programa espacial. Prova disso é a presença de especialistas russos na investigação sobre o acidente com o Veículo Lançador de Satélite (VLS-1) brasileiro. “Os cientistas russos que participam das investigações estão analisando todo o projeto brasileiro e não apenas o acidente. Suas informações também nos permitirão um salto tecnológico”, diz Viegas.

Bloco do Sul – Finalmente, o País também dá os primeiros passos na constituição de um bloco econômico alternativo, a União do Sul, que incluiria o Mercosul, a África do Sul e a Índia, que está sendo chamado Grupo dos Três (G-3). Em junho, por exemplo, o Mercosul formalizou com a Índia um acordo para reduzir tarifas de importação. O potencial é enorme. Na área de ciência e tecnologia, o Brasil é líder na aviação, enquanto que a Índia já lançou satélites, tem a bomba atômica, é destaque na fabricação de produtos farmacêuticos e é o segundo maior produtor de softwares do mundo, além ser grande produtor de sais básicos para medicamentos. A Índia tem um bilhão de habitantes, dos quais nada menos que 300 milhões já estão no mercado de consumo. Tem tudo para ser um ótimo parceiro do Mercosul. Entre o Mercosul e a África do Sul, por sua vez, já existe um acordo em vigor, mas o ritmo das negociações se acelerou depois da visita do chanceler Celso Amorim àquele país, em maio. Os sul-africanos também poderão ser parceiros complementares do Brasil e da Índia, já que o aumento de comércio obrigará a ampliação do transporte aéreo e marítimo direto entre os três continentes, hoje incipiente. É a retomada de uma rota descoberta pelos portugueses nos séculos XV e XVI.

O potencial econômico, político e até militar do G-3 começa a atrair outros países. A Rússia acompanha com particular entusiasmo as negociações. O chanceler russo, Igor Ivanov, já discutiu o assunto com o chanceler Celso Amorim e com o governo da Índia e deixou claro o interesse de seu país em entrar para o clube. Outro candidato potencial é a China, país que também se enquadra no “espírito do sul”. Se der certo, o projeto do G-3 pode retomar, em bases realistas, o sonho do Movimento dos Países Não-Alinhados e o do Grupo dos 77, que nos anos 60 e 70, tentou fugir da hegemonia econômica dos países industrializados, mas fracassou por excesso de discurso.