Num almoço em Nova York com Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas, Oded Grajew, assessor especial da Presidência, obteve uma informação preciosa. Descobriu que o tal Fundo Mundial de Combate à Pobreza, sobre o qual o presidente Lula falaria na abertura da Assembléia Geral da ONU, no dia 22 de setembro, já existe. “Existe, mas não existe”, explica Oded. O Fundo Mundial de Solidariedade, criado no ano passado, está desativado porque absolutamente nenhum país ou empresa fez qualquer depósito. Agora, segundo Oded, Lula vai propor em seu discurso que ele seja finalmente inaugurado, dando a partida para que o Brasil lidere a campanha de um Fome Zero mundial. “Será também uma provocação aos países ricos, que ainda não fizeram nada.” O presidente vai anunciar que cerca de 13 multinacionais, contatadas por Grajew, depositaram de US$ 100 mil a US$ 1 milhão cada uma. “É um grande passo, afinal, morrem de fome dez World Trade Center, ou 30 mil pessoas, por dia no mundo”, diz.

O empresário conta a novidade com o mesmo orgulho com que
explica tintim por tintim o que tem feito no primeiro cargo público
de seus 59 anos. Da cabeça do idealizador do War, aquele jogo para adultos que simulava nada menos que uma guerra pelo controle do mundo, só poderiam sair idéias como o Fórum Social Mundial. Oded
pensa grande. Mas embora discorra com intimidade sobre questões mundiais, é falando sobre o Fome Zero no Brasil que ele se realiza.
Não esconde a felicidade quando conta que engajou a Febraban,
a poderosa federação dos bancos, na construção de cisternas no semi-árido nordestino: “As mulheres não vão mais precisar passar
horas carregando latas d’água na cabeça.” Ou quando diz que sonha
em acabar com as cidades sem bibliotecas: “Também podem funcionar como museus para a comunidade.” Ou ainda quando garante que todos
os supermercados brasileiros arrecadarão alimentos ainda este ano: “Imagina a quantidade?” Articulando, ele tenta ganhar empresários
e mais empresários para a causa social do País e do mundo. Sua
função no governo: ter mania de grandeza.

ISTOÉ – Que discurso o sr. usa para convencer um empresário a se engajar em programas sociais?
Oded Grajew –
Digo que é bom para ele, pessoalmente, é bom para a empresa dele, para a comunidade, para o País. Engajado em algum programa social, ele, como cidadão, vai se sentir gratificado. Seus funcionários vão ficar orgulhosos. A sociedade vai reconhecer. Mostro pesquisas provando que o consumidor leva isso em conta na hora de comprar. As empresas envolvidas com a comunidade estatisticamente são mais lucrativas e duradouras. Mostro também o que os outros empresários fazem. Quero que ele pense: “Bom, se outros estão fazendo, por que eu não posso?” Quando uma empresa de determinado setor se engaja, os concorrentes reagem. Empresário é muito competitivo. Estes argumentos têm dado certo.

ISTOÉ – Um dia todos os empresários vão estar
engajados no social?
Grajew –
O dia que isso acontecer, o Brasil muda rapidamente. Por exemplo, se cada empresa se dispuser a alfabetizar duas pessoas por ano, em dois anos e meio acabamos com o analfabetismo. Outro exemplo: se cada uma adotasse jovens de baixa renda, dando remuneração, capacitação, trabalho e fazendo com que eles continuassem estudando, a juventude teria outra perspectiva. Os empresários deveriam fazer a conta de quantos jovens podem adotar sem quebrar.

ISTOÉ – Qual o sr. considera sua maior vitória no
governo até agora?
Grajew –
Minha menina dos olhos são as cisternas do semi-árido nordestino, região da seca. Fizemos uma parceria entre a Febraban e a Articulação do Semi-Árido (ASA), do terceiro setor. Na primeira fase, o projeto piloto de dez mil cisternas foi financiado pela Febraban. Podemos, em quatro ou cinco anos, ter um milhão de cisternas e transformar radicalmente aquela paisagem. Isso apenas mobilizando empresas e pessoas. Juntei esses dois mundos, a Febraban e a ASA. Uma nunca tinha ouvido falar da outra e muitos na Febraban nem sabiam o que é cisterna. Hoje, a parceria vai às mil maravilhas. É um exemplo de como
se pode juntar recursos que sozinhos não fazem nada.

ISTOÉ – Como era o comportamento dos empresários
no governo FHC?
Grajew –
Eles diziam “ah, vai dar certo”, e eu perguntava “por que você acha isso?”, e eles respondiam “ah, porque vai”. Eu fui a muitas reuniões de empresários com o governo. Na sala de espera todo mundo é leão, reclama, diz que vai fazer e acontecer. Aí eu pensava: “Eba, hoje vai ser o dia da verdade”. Mas, quando a porta abria, aparecia o presidente ou um ministro, a primeira coisa que os empresários diziam não era nem “bom dia”. Era “parabéns”. Acho que se os empresários tivessem reagido antes, o Brasil estaria muito menos endividado.

ISTOÉ – Qual programa do governo o sr. considera
mais importante?
Grajew –
O conjunto deles é importante. O Fome Zero é o grande programa de inserção social que as pessoas confundem com distribuição de alimentos. Aliás, não tem nada de distribuição de alimentos. Há o cartão-alimentação, para que as pessoas tenham condições de comprar comida, envolvendo o comércio e a agricultura regional, mas tem também a alfabetização, a construção de cisternas, programas de saúde, distribuição de renda, agricultura familiar, primeiro emprego. Este é o nosso grande problema de comunicação: explicar que o Fome Zero não é doação. É para fazer com que as pessoas possam se alimentar graças ao seu trabalho, sem precisar de esmola.

ISTOÉ – Mas não foi um erro do governo, que não
esclareceu direito?
Grajew –
Sim. E o governo errou também ao não explicar que não é para as pessoas ajudarem o governo, e sim se envolverem com as suas comunidades. Mas no Brasil é comum achar mais fácil doar dinheiro e comida. É mais simples do que participar de um programa social. As pessoas estão habituadas a isso. E também estão habituadas a tentar ajudar quando o governo lança um programa. É uma tradição histórica. Muita gente ligou perguntando onde depositar e recebeu explicações de que não era bem assim. Se quiser doar, tudo bem, mas não faça só isso. Mas o governo demorou para dar ênfase na comunicação.

ISTOÉ – E a tal conta que não foi aberta?
Oded –
Discutimos sobre se deveríamos ou não abrir. A idéia inicial era não receber nada. Porque isso estimula as pessoas a dar dinheiro e pronto. Mas a pressão foi tanta que optamos por abrir. Seria muito melhor se a Gisele Bündchen doasse o dinheiro dela a uma instituição e ajudasse a, por exemplo, mobilizar a opinião pública em programas sociais. Ela deveria ter se envolvido, como fazem, por exemplo, o Raí e o Leonardo. Eles podiam dar só dinheiro, mas criaram uma fundação. O Raí não fez um cheque e chamou o ministro para entregar. Apenas doar é muito pouco para quem têm visibilidade pública. Até dá uma demonstração equivocada do que se pode fazer. Então, se a Gisele dá dinheiro e não faz mais nada, as pessoas pensam que isso basta.