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CÓPIAS "Por sorte a distribuição foi pequena", disse Serra

O governo de São Paulo acrescentou mais um item à extensa lista de problemas que dificultam o aprendizado dos cinco milhões de alunos que cursam a escola pública. Na semana passada, a Secretaria Estadual de Educação recolheu o livro "Dez na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol", que estava na lista de leitura complementar para estudantes da terceira série do ensino fundamental – crianças de 9 anos, em média.

A decisão foi tomada porque descobriram que a publicação reforça estereótipos, usa palavrões e faz referências diretas à sexualidade e ao tráfico de drogas. Imediatamente o governador José Serra reconheceu a gravidade da situação e anunciou que haveria uma sindicância. Mas a dúvida e a indignação já haviam se instalado: afinal, como são escolhidos os livros dos estudantes paulistas?

Segundo a própria Secretaria de Educação, a seleção de livros envolve muitas fases, uma comissão de avaliadores de primeira linha e um complicado processo de licitação. "Mas, em algum momento, esse sistema falhou", afirma Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Só quem não leu o livro poderia escolhê-lo", diz. Afinal, em uma folheada o avaliador se depararia com expressões como "chupa rôla (sic)" e palavrões como "cu", "merda" e "puta".

Seja qual for o resultado da sindicância de 30 dias, as falhas no sistema de escolha já são flagrantes. Se for constatado que os trâmites foram seguidos, a comissão criada para selecionar o que é apropriado para crianças da terceira série aprovou uma obra absolutamente inadequada. Se, ao contrário, foram ignorados, todo o aparato de avaliação que leva em conta, segundo a secretaria, "tema, título, autor, projeto gráfico, ilustrações e projeto editorial" não funcionou. "Por sorte a distribuição foi muito pequena", reconheceu o governador José Serra. Foram distribuídas 1.216 cópias. Em março, houve outra falha grave – 500 mil cópias de uma cartilha circularam com um mapa da América Latina sem o Equador e com dois Paraguais.

O caso foi tratado como erro de revisão.

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Uma diretora de escola da zona leste que não quis se identificar afirma que no começo do mês a obra chegou misturada aos outros livros destinados à terceira série. "Felizmente a coordenadoria pedagógica logo percebeu que alguma coisa estava errada", diz ela. "Se a secretaria não lê o que indica, nós lemos antes de repassar para as crianças", indigna-se. Para Angela Soligo, coordenadora do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Unicamp, obras como "Dez na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol" são importantes para a literatura. "Mas não são adequadas a uma escola", afirma. Neide, da PUC, vai além: "Mesmo que não tivesse os palavrões, o livro não seria próprio para reforço de leitura." Segundo ela, a superposição de texto e imagem confunde quem ainda está aprendendo a ler. Quem devia perceber e filtrar esse tipo de coisa, falhou.