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Que abordagem o governo Dilma e a maioria da bancada de aliados no Congresso darão a questões de fundo como educação, reformas tributária e previdenciária e mesmo ao esporte às portas da Olimpíada e da Copa do Mundo no Brasil? É cedo para dizer, mas os sinais até agora têm sido de alguns avanços. Lentos, porém graduais.

Pouco antes da sua confirmação como ministro de Dilma na pasta da Educação, Fernando Haddad sofreu uma saraivada de críticas por conta das derrapagens do Enem – erros de gabarito das provas, desvios na gráfica do sistema e o escândalo com atravessadores. Haddad resistiu no posto e segue apresentando resultados em áreas que interessam, como a formação de quase 300 mil professores ao ano e o aumento do número de diplomas emitidos, que saltou de 300 mil para mais de 950 mil em um espaço de dez anos. “A escolaridade média brasileira agora cresce mais do que em qualquer lugar do mundoe temos que garantir a continuidade desse ciclo virtuoso.” É o que diz Haddad.

Nos esportes, algo menos promissor. Muito embora a presidente Dilma tenha chamado para si o desafio de acelerar as obras que darão suporte aos eventos de 2014 e 2016, boa parte do programa está atrasada e continua no plano das promessas. Há chances de o jogo mudar rápido. O ministro do Esporte, Orlando Silva – homônimo do cantor que encantou multidões –, carrega para todo canto números de investimentos na área que respaldam essa expectativa. Uma conta: se tudo correr no previsto, somente a Copa deverá agregar ao PIB cerca de R$ 183 bilhões e legar outros R$ 23 bilhões em infraestrutura civil. “Quer retorno? A Copa e a Olimpíada darão”, diz Silva.

No campo das reformas, o sonho segue como miragem. Mil vezes economistas, empresários, juristas e autoridades se reuniram para desatar esse nó. Mil vezes constatou-se que era difícil porque cada um puxava para um lado. Há uma semana em Comandatuba, na Bahia, foi feita uma nova tentativa de mudar esse estado das coisas. As reformas – mais os projetos para educação e esporte, formando um tripé de desafios e investimentos prioritários – voltaram ao palco dos debates para uma plateia que move quase metade do PIB brasileiro. Haddad e Silva foram dois dos ministros que apareceram por lá, além de José Eduardo Cardozo, da Justiça, e mais oito governadores. O principal nome do 10o Fórum Empresarial de Comandatuba seria o da presidente Dilma, que iria confrontar os presentes com a sua agenda de ações após a fase de lua de mel dos primeiros 100 dias de governo. Dilma não foi. Havia cumprido uma extensa lista de compromissos no Exterior e, recém-chegada da China, alegou cansaço. Em seu lugar marcou presença o vice-presidente, Michel Temer. O quórum de lideranças foi de todo modo suficiente para montar um arcabouço de ideias e soluções dentro do objetivo “Uma nova realidade para o Brasil”. “Nossa meta é clara: construir um Brasil melhor e mais justo, discutir a inclusão social, a reforma tributária e a gestão transparente do dinheiro público”, delimitou João Doria Jr., organizador do Fórum. “Para eventos como a Copa e a Olimpíada não pode haver partidos ou opostos.”

Tem sido razoavelmente tranquilo para a presidente Dilma montar um novo cenário de condução do País. No front externo ela arrematou a simpatia de chefes de Estado e novos recursos. Trouxe mais de US$ 20 bilhões somente da China. O colapso de algumas economias europeias, a crise em cascata dos sub-primes americanos, abalando indefinidamente Wall Street, e o pânico mundial que se instalou após essas ondas converteram os países emergentes – Brasil junto – de párias em príncipes da economia global. Dilma, que desde os primeiros momentos exibiu um teimoso otimismo sobre o futuro, já vem colhendo frutos. Estimativas preliminares apontam para uma injeção líquida de investimentos diretos estrangeiros da ordem de US$ 65 bilhões em 2011. Diante de rostos desconfiados com o repique da inflação, o déficit fiscal e o câmbio oscilante, Dilma ofereceu uma receita de austeridade com cortes nos gastos, juros calibrados e leilões de compra de dólar. Na semana passada, durante a primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico, declarou abertamente que não vai descuidar da pressão inflacionária. Mas também não irá sacrificar o emprego e o crescimento em troca do combate a ela.

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DORIA E GERDAU
Contra bandalheira, gestão transparente do dinheiro público

As centenas de empresários reunidos em Comandatuba compartilham do desejo da presidente pelo desenvolvimento. Mas sentem arrepio ao ouvir o termo carestia. Eles convergem sobre a ideia de que uma queda na carga tributária auxiliaria muito a cobrir todos os flancos: os preços de mercadorias e serviços cairiam sem comprometer o resultado da produção e a contratação de mão de obra. Pelo que se pôde observar durante o Fórum, a possibilidade de uma reforma fiscal profunda e ampla é quase nula ou zero. E o motivo é a diversidade de interesses em jogo, especialmente por parte de Estados e municípios da Federação. Governadores presentes ao encontro deixaram clara a sua diferença de opinião sobre o tema. Muito embora nenhum deles seja contrário a essa reforma, cada um tem uma ideia na cabeça de como ela pode ser feita. Vários deles defenderam abertamente a guerra fiscal, danosa à economia como um todo, por entenderem ser a melhor maneira de atrair capital para suas cidades. O vice-presidente, Michel Temer, que abriu os trabalhos, deu o tom das negociações: “Já que ainda não podemos conjugar todos os interesses em uma proposta de reforma tributária, o primeiro passo, de fato, seria simplificar o sistema.” O governador anfitrião, Jaques Wagner, da Bahia, disse que não existem santos de um lado e demônios do outro na questão. Wagner – que chegou a vender a barba à Gillette por R$ 500 mil durante o evento e depois doou o dinheiro para projetos educacionais do Instituto Ayrton Senna – alegou que todos estão tendo prejuízo com a guerra fiscal.

O aparente acordo em torno da simplificação surgiu a partir da sugestão do economista Paulo Rabello de Castro, que recorreu à imagem dos monstrinhos “come-come” para propor que as dezenas de impostos fossem engolidas até restarem apenas três famílias tributárias – uma para a União, outra dirigida a Estados e municípios e uma exclusivamente para a previdência. “Temos que reempacotar todos esses bichos”, defendeu. Economistas são, em geral, propensos a lançar conceitos empíricos que tiram da cartola como fórmula mágica cuja eficácia na prática quase nunca é comprovada. Rabello foge à regra. Estudioso do tema, ele detalha com números reais sua teoria e demonstra como as medidas trariam resultados concretos. Não é para menos que foi convidado a integrar o grupo de trabalho responsável por definir o projeto fiscal do governo. “Simplesmente não dá para conviver com a favela tributária e sonhar com o crescimento”, advoga Rabello.

Em Comandatuba, o recado claro nesse capítulo fiscal é que nada sairá do papel sem o aval dos governadores. E cada um desses senhores segue em direções bem distintas. Geraldo Alckmin, de São Paulo: “Temos que começar simplificando a folha de pagamento, que está emperiquitada com uma série de impostos.” Antonio Anastasia, de Minas: “O ICMS é o tributo mais complicado do mundo, temos de quebrar lanças e promover um pacto como fez a Espanha com o Pacto de Moncloa.” Geograficamente, na outra ponta do mapa, dois comentários que resumem as expectativas de lá. Eduardo Campos, de Pernambuco: “É um sistema tributário inadequado ao tamanho e à condição atual do Brasil e a guerra fiscal é fruto da ausência de uma política de desenvolvimento regional.” Rosalba Rosado, do Rio Grande do Norte: “Meu Estado já não possui recursos para nada. Se a reforma comprometer nossa parcela de arrecadação, vai ficar difícil.” Na realidade do cobertor curto, o puxa-repuxa virou uma constante.

Por isso mesmo, é de se suspeitar das reais chances de um projeto consolidado com tamanho balaio de interesses distintos. O ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, resume: “Na reforma tributária há um consenso de aparência. Ela não sai porque não temos uma ideia comum do que queremos.” E o quadro de Comandatuba serve de advertência para as consequências involuntárias e dispendiosas que podem surgir quando há colisão entre o anseio dos políticos e o de setores econômicos influentes. O empresário Jorge Gerdau, vocalizando a impressão do empresariado, definiu como “bandalheira” o jogo de atrativos armado pelos Estados para conquistar o capital que depois é espoliado com taxações pesadas. “O perigo é que, ao desonerar, o governo crie novos assaltos ao contribuinte.” Todas essas vozes devem ser ouvidas pela gestão Dilma antes de traçar um modelo fiscal que contemple de maneira salomônica tantos pedidos.

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