Confira, em vídeo, a entrevista com Julio Aidar :

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DADOS
Júlio recebeu pen drive com resultado colocado em uma caixa de prata da Tiffany’s

O mundo sonha com o dia em que será possível decifrar todos os segredos do código genético humano, o DNA. Espera-se que daí venha a cura de muitas doenças, o prolongamento da vida e a orientação para tomar caminhos mais seguros e promissores de acordo com as características de cada um. Porém, algumas poucas pessoas saudáveis não querem esperar até a ciência aperfeiçoar suas ferramentas para entender melhor o que está codificado nos seis bilhões de letras (na verdade, unidades químicas que formam o DNA) e já se submetem ao sequenciamento completo do seu material genético. O empresário paulistano Júlio Aidar, 47 anos, passou a fazer parte desse seleto grupo de indivíduos – não mais do que algumas dezenas em todo o mundo.

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Ele contratou os cientistas da empresa americana Knome, a primeira companhia de biotecnologia do mundo a oferecer, comercialmente, a análise total do código genético pessoal e também um relato detalhado das chances de apresentar cerca de duas mil doenças, entre elas problemas cardíacos e tumores. “Analisamos os genomas de pessoas de pelo menos 17 países, mas Aidar é o nosso primeiro cliente brasileiro”, diz o cientista Nathaniel Pearson, diretor de pesquisa da empresa.

O desejo do brasileiro Aidar de ter seu material genético investigado foi despertado por uma palestra sobre os produtos da Knome, vista em São Paulo. “Fiquei fascinado pela possibilidade de descobrir o que os meus genes me reservam no futuro”, disse. As tristes lembranças da luta do pai e do tio contra tumores de cabeça e pulmão, falecidos respectivamente aos 63 e 42 anos, tiveram também peso na sua decisão. “Queria saber se sou candidato a passar por isso também.”

Há três semanas, os resultados foram conhecidos pelo empresário, que viajou a Boston para recebê-los. Aidar foi recebido pelos cientistas da Knome em uma sala do elegante Clube de Harvard. Durante uma reunião que durou seis horas, Aidar foi informado por Pearson e outro fundador da empresa, Jorge Conde, dos seus riscos, pontos fortes e ancestralidade. Soube, por exemplo, que é sete vezes mais vulnerável a ter problemas nas artérias coronárias do que a maioria das pessoas. “Também tenho 2,5 vezes mais riscos de ter diabetes tipo 2 e chances acima de uma vez e meia de ter câncer colorretal, de pâncreas e de pulmão”, disse. E mais: ele possui uma cópia do gene da fibrose cística, doença que leva à formação de cistos em todo o organismo. Foi também informado de que o seu organismo é 20% mais lento na eliminação do medicamento anticoagulante varfarina, o que aumenta o seu risco de hemorragias. É um alerta interessante se vier a ser operado. “Tenho também mais sensibilidade à capsaicina, substância encontrada na pimenta que parece estar associada à percepção da dor”, contou.

No final do encontro, o brasileiro recebeu um pen drive contendo todas as suas informações. O “tesouro” veio acondicionado em uma caixinha de prata da joalheria Tiffany’s. Luvas brancas da mesma marca completam o kit. É um toque de classe para agradar a uma clientela disposta a pagar US$ 40 mil, fora despesas de viagem, para ter seu DNA sequenciado. “Porém, o preço está caindo rapidamente por causa do aperfeiçoamento nos sequenciadores. Daqui a cinco anos, poderá ser feito por US$ 2 mil”, afirma Carlos Eduardo Gerólamo, diretor da Knome no Brasil. Há quatro anos, o milionário Dan Stoicescu pagou US$ 350 mil pelo mesmo serviço. De qualquer forma, a conta é alta e faz do sequenciamento do DNA um dos ícones atuais do luxo pessoal.

Dono da empresa Metallink Implants, Aidar ainda não teve condições de avaliar com profundidade todas as informações que recebeu. Mas as que já conheceu foram suficientes para se decidir por uma reformulação de vida. “Estou pensando em um jeito diferente de levar a vida”, disse. “Esse teste serviu para me mostrar que preciso sim emagrecer, seguir uma rotina mais saudável e ficar mais tempo com a minha família”, acredita. Aconselhado pela mulher, Vanea, na volta de Boston ele foi a um clínico geral, que lhe passou alguns exames para começar um check-up. “Mas vou também a um geneticista para entender melhor o tesouro que tenho nas mãos sobre a minha saúde, principalmente sobre as chances de ter câncer, e me informar sobre como me prevenir das doenças a que estou predisposto”, conta. Enfim, o empresário tentará o que for possível para modificar o que os genes indicam para sua vida.

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VANGUARDA
Church, fundador da Knome, lidera pesquisas sobre o estudo do genoma

A experiência de Aidar é o exemplo mais evidente, no Brasil, do que se pode chamar de era da genômica pessoal. Nos últimos anos, o mundo registrou o lançamento de testes que podem ser feitos por livre escolha do consumidor para avaliar o código genético humano – é possível encomendá-los por sites e até pagar com cartão de crédito. Eles são oferecidos por empresas como a 23andMe, Navigenics e deCODEme, que vendem uma análise individualizada e parcial do genoma por cerca de US$ 999. A diferença em relação ao serviço da Knome, que atraiu Aidar, é que o teste do empresário analisa uma quantidade de informações bem maior e rastreia áreas do DNA que raramente são estudadas.

Para muitos geneticistas, no entanto, submeter-se hoje a esses testes – mais ou menos completo, não importa – não acrescentaria tanto na vida de qualquer um. Primeiro porque ainda há muito a ser compreendido. Atualmente, o que se conhece são cerca de 26 milhões de alterações na ordem das letras químicas que formam o DNA. “Dessas, apenas 100 mil estão diretamente relacionadas a doenças”, diz Nathaniel Pearson. Além disso, o estudo das atividades dos cerca de 30 mil genes que compõem o código humano está deixando claro que as relações entre as variações genéticas e o surgimento das doenças são mais complexas do que se supunha. “Sabemos muito pouco. Por enquanto, é querer montar um quebra-cabeça sem ter todas as peças”, afirma a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo. Para ela, é necessário esperar os resultados de diversos estudos em andamento, como os que avaliam o impacto do ambiente na ativação ou desativação dos genes (a chamada epigenética), para que a leitura dos genes se torne menos vaga. “Sabemos apenas um terço do efeito de todas as variantes genéticas identificadas”, concorda o médico Bernardo Garicochea, responsável pela área de aconselhamento genético do Hospital Sírio-Libanês e professor da PUC do Rio Grande do Sul.

Um outro aspecto a ser examinado é a maneira com que as pessoas estão lidando com os dados oferecidos pelos exames. Ao ser informado do risco futuro de ter uma doença degenerativa ainda sem cura, como o Alzheimer, o indivíduo pode ficar muito abalado e desorientado. “Isso mostra a importância de passar por um processo benfeito de aconselhamento genético antes de tomar a decisão de se submeter a um teste genético”, diz a médica Maria Isabel Achatz, diretora do Departamento de Oncogenética do Hospital A.C Camargo, de São Paulo. Hoje, porém, a maioria das empresas de levantamento genômico não oferece aconselhamento genético antes ou depois do teste. Eis aí um hiato existente entre a tecnologia para leitura do genoma e sua aplicação prática na vida de um cidadão como Júlio Aidar.

Apesar das limitações atuais, é inegável que a popularização dos exames é um passo a mais na direção de uma medicina voltada para tratamentos que respeitem as características genéticas dos pacientes e, por isso, sejam mais eficientes. E esse é um segmento que evolui rapidamente. Exemplo disso é o uso cada vez mais frequente de testes para identificar as características genéticas de amostras de tumores de mama e intestino para especificar seu tipo antes de determinar o tratamento. “Nos casos de mama, esses resultados já redirecionam o tratamento de 30% das pacientes”, diz Garicochea.

As pesquisas também avançam. O biólogo George Church, um dos fundadores da Knome e professor da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, por exemplo, está à frente do Projeto Genoma Pessoal, uma iniciativa voltada a prover recursos para cientistas conhecerem as bases genéticas das doenças e as características do organismo. Para tanto, Church já fez o sequenciamento completo de 100 voluntários anônimos que aceitaram ter seus dados publicados para ser estudados. E o cientista Conde em breve submeterá seu primeiro filho, que tem menos de um mês, ao sequenciamento completo do genoma. Ele será o mais jovem ser humano a passar por essa experiência.


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