LOUISE BOURGEOIS – EL RETORNO DEL REPRIMIDO/ Fundación PROA, Buenos Aires/ até 19/6
LOUISE BOURGEOIS – A ARTE COMO GARANTIA DE SANIDADE/ Instituto Tomie Ohtake, SP/ a partir de 7/7

Ao lado do El Caminito, uma das paisagens mais tradicionais de Buenos Aires, com suas casas coloridas lotadas de turistas, uma enorme aranha de metal repousa de frente para o rio Riachuelo. Conhecida como “Maman” (foto), essa escultura de forma aracnídea é a obra mais famosa de Louise Bourgeois. A artista produziu uma série delas na década de 1990 em homenagem a sua mãe. Mas a aranha – que tem outra versão exposta em caráter permanente no MAM de São Paulo – é apenas a porta de entrada para a vasta produção dessa artista nascida em Paris, em 1911, e falecida em Nova York, em 2010. “El Retorno del Reprimido”, na Fundación PROA, na capital argentina, contempla 86 obras produzidas de 1942 a 2004.

Vinda de uma família de tapeceiros, Louise passou sua infância em meio a rocas, agulhas e novelos, materiais que aparecem constantemente em seus trabalhos. A agulha é especialmente representada pelas patas pontiagudas de suas aranhas. “Como a maioria dos símbolos de Bourgeois, a agulha tem várias camadas de significado. Ela é aquilo que possibilita a costura, a união. É o desejo de permanecer conectada às pessoas que eram importantes para ela”, explica o curador Philip Larratt-Smith.

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AUTOBIOGRÁFICA
Louise Bourgeois em em seu ateliê no ano de 1967. Suas obras são
referência às memórias da infância e sua difícil relação com o pai

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Outro aspecto importante é a relação obsessiva que a artista tinha com seu pai. Quando pequena, descobriu que ele mantinha uma amante sob o mesmo teto da mãe. São abundantes as esculturas fálicas, feitas em diferentes materiais, nas quais Louise invoca a psicanálise para representar sua difícil relação com a figura paterna. Nesse sentido, o corpo mutilado entra como estrutura proeminente para extravasar um trauma jamais superado. Exemplo é “Arco da Histeria” (foto), escultura de um corpo masculino em forma de arco, em que as mãos tentam inutilmente tocar os próprios pés. “Bourgeois comentou certa vez que seu corpo é sua escultura e sua escultura é seu corpo. Para ela, o corpo é uma ligação não só com o inconsciente, mas também com o passado, precisamente por causa dos sintomas físicos através dos quais os traumas e as ansiedades presentes se manifestam”, afirma o curador, que também é responsável pela mostra da artista prevista para acontecer em julho, em São Paulo.

Entrevista-Philip Larratt-Smith

Com curadoria de Philip Larratt-Smith e organizada pelo Louise Bourgeois Studio, em Nova York, a exposição “Louise Bourgeois: retorno do reprimido” é a maior retrospectiva da artista realizada na América Latina. Segundo o curador, que também é responsável pela mostra brasileira, Louise Bourgeois tem a capacidade de materializar por meio de suas obras seus próprios estados psicológicos. Em entrevista ele explica como a relação da artista com a famlía e com a psicanálise fundamentaram o conceito da exposição:

Esta exposição apresenta uma proposta curatorial que sintetiza a vida e a obra de Louise Bourgeois. Ao mesmo tempo, é perceptível sua obsessão em representar o corpo em diferentes obras. Por que o corpo é tão importante na obra dessa artista?
Bourgeois comentou certa vez que seu corpo é sua escultura e sua escultura é seu corpo. Para a artista, o corpo era uma ligação não só com o inconsciente, mas também com o passado. È por meio do corpo que sentimos os sintomas físicos de traumas passados e as ansiedades do presente. Uma dor de estômago pode sinalizar o retorno de um sentimento reprimido, assim como as cólicas menstruais tinham, para ela, uma ligação com a figura materna. A divisão cartesiana entre corpo e mente não existe na obra de Bourgeois. Na realidade, ela sugere que a mente e o corpo são parte de um contínuo. A artista mostrava o corpo feminino através de uma variedade de símbolos e metáforas (os corpos femininos multilados nas esculturas) porque a suas identidades como mulher, filha, esposa e mãe eram intrínsecas à sua psicologia e a produção artística. O mais importante evento emocional para ela foi o nascimento de seu filho Jean-Louis Bourgeois, em 1940. No final de sua vida, a artista voltou-se para um imaginário de penetração, fecundação, gravidez e parto, pintados em guache vermelho vivo, sugerindo fluidos corporais como o sangue ou líquido amniótico.

Outra figura presente em sua obra é a da aranha. Uma vez ela disse que a aranha transmite a ideia da agulha, objeto pelo qual tinha fascinação. Qual é a relação das aranhas com o passado da artista?
A artista nasceu em uma família de restauradores de tapetes. Seu pai, Louis, comandava o negócio e por isso estava sempre viajando pela França. Sua mãe, Josephine, ficava no atelier, gerenciando a equipe de costureiras que trabalhavam para os Bourgeois. Dessa maneira, a iconografia das agulhas tem uma origem explícita e é autobiográfica. Como a maioria dos símbolos usados por Louise Bourgeois, a agulha possui várias camadas de significados. Ela possibilita a costura, a união. Esta ação comunica o desejo da artista de permanecer conectada ás pessoas que importavam para ela. Como um gesto simbólico, ela homenageou sua mãe na série de aranhas chamadas “Mamam”, produzidas na década de 1990, incluindo a icônica aranha que está na frente da Fundación PROA. Bourgeois afirmou que as aranhas significam proteção, carinho e zelo.

O título principal da exposição em Buenos Aires é “Louise Bourgeois: O retorno do reprimido”. Em suas obras a artista evidencia sua obsessão com a figura paterna. De que forma o título da mostra evidencia este fato?
Devido às dificuldades de tradução para português, o título da mostra no Brasil será "Louise Bourgeois: A arte como garantia de sanidade". No entanto, a exposição permanece a mesma. O trabalho da Louise Bourgeois é de orientação psicanalítica, mais do que o de qualquer outro artista do século XX. A arte e a psicanálise estão completamente fundidas na sua produção de maneira que é impossível dizer onde começa uma e termina a outra. Bourgeois disse que sua arte era uma forma de psicanálise e muitas vezes sustentou que fazer análise de nada adiantou para ela. Ao mesmo tempo, com a recente descoberta de seus escritos, ficou claro que ela estava profundamente envolvida com a literatura psicanalítica e sua prática desde o início. A retrospectiva é toda fundamentada nesses escritos. Eles formam o núcleo do catálogo da exposição que será publicado em português para a exposição no Instituto Tomie Ohtake a partir de julho. Em meu ensaio, afirmo que Bourgeois nunca resolveu plenamente sua fixação edipiana com seu pai. Longe de ser a uma narrativa simplista, partindo da teoria de que Bourgeois odiava o pai, sustento que a verdadeira história é muito mais complexa e que os sentimentos da artista eram ambivalentes. O conceito do “retorno do recalcado” fortalece a exposição no sentido de que, para toda a heterogeneidade dos meios utilizados por ela, sua obra também revela uma notável coerência narrativa. Ela oscila entre as polaridades masculina e feminina, materna e paterna, ativa e passiva, homicídio e suicídio, consciente e inconsciente, de forma verdadeiramente dialética.


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