Quem não conhece um feliz comprador daquelas fantásticas fôrmas de silicone para fazer bolos? Ou então não ouviu aquela vizinha dizer maravilhas a respeito da iogurteira que leva saúde para toda a família? Ou quem sabe não seja você mesmo o consumidor da cera líquida anunciada pelo ex-piloto Emerson Fittipaldi, aquela que promete transformar a lata velha num carro novinho, novinho. Se você não resiste ao impulso de comprar tudo o que vê na tevê, não se desespere. É difícil mesmo se controlar quando a oferta de produtos ao alcance de apenas uma das mãos é enorme. Ao contrário dos estabelecimentos comerciais tradicionais, o mercado de vendas pela tevê cresce de maneira vertiginosa. Há dez anos, ele praticamente não existia no Brasil. Hoje, é responsável pelo êxito de produtos como máquinas de waffle e escovas de cabelo capazes de domar a mecha mais rebelde. O mecanismo é simples: o vendedor anuncia, você pega o telefone e, sem precisar sair de casa, faz a compra. Só é preciso tomar cuidado para não cair no conto de uma organização Tabajara da vida, a “empresa” fictícia criada pelos rapazes do Casseta & Planeta para ridicularizar os produtos que prometem tudo e oferecem o nada.

O canal por assinatura Shoptime (NET/Sky), pertencente às Organizações Globo, é um bom exemplo do crescimento desse mercado. No ar desde 1995, é o único da tevê brasileira com toda a programação voltada para a comercialização de produtos. O modelo foi inspirado no Homeshopping Network, uma potência de venda a distância que atinge 80 milhões de domicílios nos Estados Unidos. O Shoptime está seguindo seus passos. Em 2002, o canal faturou R$ 140 milhões, um crescimento de 40% em relação a 2001. Nesse primeiro semestre de 2003, registrou um aumento de vendas de 21% em relação ao mesmo período do ano passado. Só para se ter uma idéia de como andam as coisas no comércio fora da tevê, as Casas Bahia, a maior rede de eletroeletrônicos do País, cresceu 16% no mesmo período. As lojas Marabrás, de São Paulo, por outro lado, viu seu faturamento desabar 16% no ano passado.

O canal Shoptime é dividido em diversos programas – TV UD (utensílios domésticos), Casa & Conforto, Eletro Shop, entre outros – que vendem desde artigos para a cozinha até computadores de última geração. Além dos produtos com a marca Globo, o canal compra de outros fornecedores, estoca e os vende por meio de uma central de atendimento 24 horas, sem falar no comércio pela internet. Os campeões de bilheteria são a máquina para fazer tortas (R$ 120 cada) e a grelha para carnes (R$ 245 cada). Somados, os dois itens vendem sete mil unidades por mês. “Alguns produtos são sazonais, saem mais em uma época do ano. Mas, em geral, os da TV UD sempre vendem bem, assim como os DVDs, nosso líder de vendas em junho”, diz Carlito Camargo, diretor do canal.

Campeã – O fenômeno Shoptime produziu até uma musa. Trata-se de Viviane Romanelli, a simpática apresentadora do TV UD. Há seis anos à frente do programa, ela tornou-se a campeã de e-mails do canal: são pelo menos mil mensagens por mês. Formada em jornalismo e estudante de gastronomia na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, a merchandete – assim são chamadas as moças que anunciam produtos na telinha –, pretende abrir em breve o restaurante Antigamente, no Rio. Seu talento fez a todo-poderosa diretora da Globo Marlene Mattos convidá-la para fazer parte de seu casting. A partir de agora, Marlene será a responsável por agenciá-la e assessorá-la. “A Viviane foi a pessoa que mais me fez usar o cartão de crédito até hoje. Penso em projetos dentro daquilo que ela mais sabe fazer: vendas e entretenimento de forma muito competente”, diz Marlene. Modesta, ela acha que o seu carisma se deve ao fato de não ter medo de cometer e assumir erros em frente às câmeras. “Posso estar preparando uma omelete e, se queimar, vou assumir que deu errado. E não esconder. As pessoas gostam disso, fica muito mais natural”, acredita.

Um dos fãs de Viviane, e de compras na tevê em geral, é o empresário Djalma Pessoa. Aos finais de semana, sua atividade preferida é inventar pratos para a mulher e os dois filhos. Por conta disso, já comprou muitos utensílios anunciados pela merchandete e suas concorrentes. “Não posso ver um programa que venda coisas de culinária que pego o telefone. Já comprei churrasqueira elétrica, panela para cozinhar legumes, outra para fazer arroz japonês e até aquelas famosas facas Gynsu, que nem estão mais à venda”, lembra. Se ele usa todos esses objetos? “Quase nenhum. A panela para fazer arroz japonês, por exemplo, custou uma fortuna e dá trabalho para usar”, reclama. Um dos problemas da compra impulsiva é justamente este. Nem todos os produtos são tão práticos como parecem e muita gente não usa o que adquire.

Merchandete – Mas as compras pela tevê não se resumem somente aos canais por assinatura. Pelo contrário. Na tevê aberta esse fenômeno é ainda mais visível. Em praticamente todos os programas de variedades vistos na Bandeirantes, Rede TV!, Gazeta, Record e SBT há inserções de grandes empresas de televendas. Aqui o papel do merchandete é fundamental. Uma espécie de camelô eletrônico, ele apresenta o produto ao vivo e demonstra, no espaço de um a dois minutos, como utilizá-lo. É possível vê-los em até três programas durante a mesma tarde. Neles, aparecem ao lado de Astrid Fontenelle, Leão Lobo, Eleonora Silva, Nelson Rubens e Sônia Abrão, os reis e rainhas das tardes televisivas. A emissora também ganha um bom dinheiro para cada inserção. A Rede TV!, por exemplo, cobra R$ 40 mil cada aparição no SuperPop, de Luciana Gimenez. Por dia, a rede chega a faturar R$ 700 mil apenas com esse tipo de comércio. Na Record, 90 segundos no Note
e Anote
, apresentado por Claudete Troiano, custam R$ 20 mil. Se for no Programa Raul Gil, os mesmos 90s saem por R$ 60 mil.

Presente na grade comercial de quase todas as emissoras, a Brazil Connection é uma das maiores do setor de televendas. O sucesso da empresa, criada há dez anos pelo argentino Mario Kohn, é a fôrma de silicone Color Cook. Versátil, chega a vender 45 mil unidades por mês. “Somos os primeiros e únicos a vender essas fôrmas”, conta o orgulhoso Kohn. Discreto, ele disfarça quando perguntado a respeito de cifras.
Mas admite que as televendas cresceram muito nos últimos anos. “Quando cheguei aqui, não existia esse tipo de comércio no Brasil.
É um mercado em expansão”, afirma.

Não é difícil explicar o tamanho do crescimento. A estratégia de marketing – baseada em depoimentos de supostos usuários felizes
com os resultados obtidos, o indefectível antes e depois, formas de pagamento a perder de vista e a ostensiva repetição das mensagens – alimenta no consumidor a certeza de que está adquirindo a mercadoria dos sonhos. “O consumidor vê um modelo, lindo e atlético, andando na esteira. Ele sempre quis ser daquele jeito, mas dificilmente iria até uma loja para comprar a esteira. Como o telefone está ao seu lado, o caminho é mais curto e ele acaba comprando. Além disso, na tevê ele vê como o produto funciona”, analisa o psicólogo Roberto Banaco, da PUC-SP.

Típico perfil apresentado por Banaco, a dona-de-casa paulistana Maria Teresa Castelão Lupo já comprou jóias, um aparelho eletroestimulador (que promete ajudar a enrijecer os músculos), cremes para prevenir estrias, remédio para emagrecer e xampu para queda de cabelos. “É muito mais fácil estar em casa e receber os produtos sem precisar sair da cadeira. Além disso, nunca tive problemas com o cartão de crédito ou com a entrega das compras”, afirma. Maria Teresa também conta que um dos principais motivos para ela comprar pela televisão é o fato de os produtos quase não serem encontrados nas lojas. “Comprei um conjunto de colar e pulseira de pérolas cor-de-rosa lindíssimo, que nunca havia visto em nenhuma joalheria. Além disso, pude pagar em várias vezes sem juros, o que quase nunca é possível em lojas de shopping, por exemplo”, diz. Pena que nem todo mundo tenha ficado tão satisfeito quanto ela. No Procon de São Paulo são comuns queixas contra empresas de televenda. As reclamações mais frequentes são de publicidade e venda enganosa, dúvidas quanto à eficácia dos produtos e baixa qualidade dos mesmos. Entre 2001 e junho de 2003, o Grupo Imagem, conhecido pelas cápsulas emagrecedoras Fybersan Plus, teve 99 processos. A Polishop, que vende desde ceras para carros, cremes anticelulite, aparelhos para enrijecer músculos e até um inusitado manual que promete tirar qualquer um do limite do cheque especial, teve, durante esse mesmo período, 72 reclamações. A Brazil Conection, conhecida pelo AB-Toner, outro
desses equipamentos que endurecem cinturas flácidas anunciado pelo
ex-jogador de basquete Oscar, tem o menor número de queixas: 46 nos últimos 30 meses. Uma das clientes que se sentiu enganada foi a vendedora Sandra Beatriz Bonone, 38 anos. Ela foi seduzida pela
escova giratória Roto-Styler comercializada pela Polishop. A garantia
de penteados soltos e cabelos lisos se transformou em uma imensa dor
de cabeça. “Na propaganda, não ficava claro que era necessário usar secador. Passava a impressão de que a escova secava e alisava. Mas não faz nada disso. Sem contar que ela é muito pesada e a tal função giratória só deixava o cabelo enroscado”, diz. Mas o enrosco maior foi para receber o dinheiro gasto. De acordo com Sandra, ela havia parcelado os R$ 395 da escova em dez prestações no cartão de crédito. As duas primeiras chegaram a ser debitadas. A vendedora teve que recorrer ao Procon para cancelar as restantes e ter de volta o que havia pago. “Não imaginei que um produto anunciado pela tevê daria um problemão desse. Comprar sem ver? Nunca mais.”

Essa é uma certeza também para a dona-de-casa Beatriz Aparecida Toledo, 30 anos. Ao comprar pela tevê a escova giratória Revo-Styler vendida pela mesma Polishop, ela imaginou que iria fazer um dinheirinho extra alisando os cabelos da vizinhança. A renda seria mais do que bem-vinda, numa casa na qual ela e o marido estão desempregados. Sem recursos, pediu seis cheques pré-datados ao cunhado e passou a mão no telefone. Aí começava seu pesadelo. “Na televisão, mostrava que o cabelo mais ruim e duro ficava liso. No dia em que ela chegou, chamei três vizinhas para testar. Foi um desastre. O cabelo arrebentava, soltava fios, enroscava. Liguei para a empresa e expliquei o caso. Eles pediram a devolução. Eu fiz isso. Só que até agora não recebi os três cheques que caíram”, diz a dona-de-casa. Sem outra alternativa, Beatriz buscou ajuda no Procon. É a única esperança para receber os R$ 216 já debitados da conta do cunhado. Os outros três cheques foram sustados.

Riscos – O pior é que os mecanismos de fiscalização desses produtos ainda são um tanto incipientes. Por ser em sua grande maioria considerados de baixo risco, esses artigos não necessitam de registro
de comercialização na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas os recentes problemas com alguns deles têm chamado a atenção
do diretor presidente da Agência, Cláudio Maierovich Henriques. “De
dois anos para cá nossos técnicos começaram a se preocupar com esse mercado de venda por tevê. Estamos começando a fazer isso de forma um pouco mais organizada. Reflexo disso é a mudança de categoria de algumas cintas eletroestimuladoras, tipo Eliyèe Belt. Hoje, não podem anunciar que emagrecem. Sua única função é de tonificar e enrijecer músculos”, explica Maierovich.

O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), também tem atuado contra produtos que prometem o universo e
não dão nem o chão. Alguns comerciais foram retirados do ar ou
tiveram que alterar seu conteúdo. Tais medidas talvez desafoguem
um pouco o trabalho dos técnicos do Procon, que é onde no final
das contas tudo acaba estourando. Claro, comprar, desejar não é proibido. Pelo contrário. Mas não custa ficar atento e pensar alguns minutos antes de pegar no telefone.

 

Ligue djá em outubro

Quando se fala em comércio pela tevê duas imagens estão no inconsciente coletivo: o finado 1406, o número de telefone que popularizou essa modalidade de venda, e o astrólogo Walter Mercado. Até o final de outubro, o brasileiro vai ouvir de novo o inesquecível bordão “Ligue Djá”. O porto-riquenho promete voltar. Além de horóscopos, buzios e tarô por telefone, Mercado pretende lançar em janeiro o celular mais barato do País.

ISTOÉ – Por que o sr. deixou o País?
Walter Mercado
– O Disque 900 foi proibido. Isso inviabilizou o meu serviço. Mas eu nunca deixei o Brasil. Amo este País.

ISTOÉ – Como nasceu o Ligue Djá?
WM
– Quando fui gravar os comerciais queria uma mensagem que marcasse. Aí uma das pessoas que estava no estúdio sugeriu essa. Como o meu português não era lá essas coisas, saiu com essa pronúncia. Pegou e vou mantê-la.

ISTOÉ – Como será a volta?
WM
– Horóscopos, tarô e búzios continuam. O resto é segredo. Mas preparam-se! Vai cair uma bomba atômica de alegria no Brasil.