Foi durante uma grande seca por volta do ano de 1400 que índios da Guatemala descobriram que ao mascar uma resina extraída de uma árvore, chamada sapodilha, estimulavam a produção de saliva – e enganavam a sede. Também no México, em plena civilização maia, e, portanto, ainda mais distante no tempo (cerca de 500 a.C.), essa mesma resina era utilizada com igual finalidade. "Quando se corta a crosta da sapodilha, brota uma substância leitosa que forma uma camada de proteção à árvore, justamente sobre a área do corte.

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LENDA Estátua da deusa Tlazolteotl estigmatizada pelos astecas devido ao uso de chiclete

Essa substância é o chicle", disse à ISTOÉ a arqueóloga e antropóloga Jennifer Matthews, da Universidade Trinity, de San Antonio, nos EUA, e autora do l i v ro "Chicle : The Chewing Gum of the Americas", no qual relata as origens e a trajetória da goma de mascar ao longo da história.

E é debruçando-se sobre a própria história que também se tem notícias agora de que o chicle, misturado a outras substâncias, foi utilizado no final do período Paleolítico (há 11 mil anos) para colar ferramentas, utensílios domésticos e armas. "Os povos usavam o material como antisséptico para tratar infecções da gengiva e ainda como cola para consertar seus instrumentos", diz Jennifer. Ela se baseia, sobretudo, nas tradicionais crônicas de frei Bernardino de Sahagún (1499- 1590) para ilustrar alguns dos costumes pré-colombianos de mascar a goma, atualmente popularizada em todo o mundo como chiclete.

"Na sociedade asteca, só crianças, e assim mesmo crianças pequenas, tinham permissão dos adultos para colocar chiclete na boca", diz a antropóloga, explicando que tal regra devia-se em parte ao som emitido pelo ato de mascar, que Sahagún comparava com o de castanholas – e castanholas eram um instrumento associado às prostitutas astecas. Em seus registros a antropóloga Jennifer tem imagens da estatueta da deusa Tlazolteotl, conhecida na mitologia dessa civilização como "devoradora de pecados". Documentos se referem a ela como a mulher que se banhava todos os dias, usava perfumes carregados e mascava seu chicle.

Daquela goma natural e plena de significados à sua forma multicolorida existente nos dias de hoje foi um longo caminho, e numa viagem no tempo pode-se perguntar: quando ela se tornou o moderno chiclete consumido internacionalmente? "A grande revolução, se quisermos usar essa expressão, data de 1870, e surgiu do encontro casual do general mexicano Antonio López de Santa Anna com o industrial americano Thomas Adams", diz a antropóloga. Ela conta que Adams procurava no chicle um substituto à borracha, considerada por ele muito cara.

O projeto não rendeu frutos e Adams estava pronto a abandoná-lo quando se deparou com uma menina que comprava numa farmácia uma goma de parafina para mascar. Adams lembrou, então, que essa era uma atividade popular entre os povos indígenas do México e mudou o rumo de seu projeto. Ele adicionou ao chicle o alcaçuz – planta de raiz adocicada – e passou a produzir sua "invenção" em formato de bolas embaladas em papéis coloridos. "Há em Nova York documentos comprovando o uso do chicle das florestas mexicanas na fabricação dos primeiros Chicletes Adams", diz Jennifer.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a nova goma se popularizou extremamente, inclusive nos campos de batalha, e a indústria não conseguiu suprir a demanda. As companhias americanas optaram por fabricar o artigo com materiais sintéticos, nascendo uma indústria que movimenta hoje anualmente cerca de US$ 19 bilhões. "Nos sítios arqueológicos podemos mergulhar em um passado milenar que, curiosamente, está conectado com um dos mais populares produtos que a humanidade já produziu", diz a antropóloga.

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