A primeira vítima da CPI do Banestado no Congresso não é caça, e sim caçador. Encarregada de investigar a evasão de US$ 30 bilhões por intermédio do banco estadual paranaense, a CPI recebeu na última semana documentos aos quais ISTOÉ teve acesso comprovando que, entre 1995 e 2001, Vera Márcia dos Santos Lima, então mulher do procurador da República do Paraná Carlos Fernando dos Santos Lima, trabalhava no Banestado, como revelou a revista na última edição. Durante boa parte desse período, o marido-procurador já participava da força-tarefa encarregada de investigar o esquema de lavagem no Banestado e outros bancos, bem como o envolvimento de clientes e funcionários em atividades ilegais. Integrantes da CPI do Banestado também decidiram investigar o comportamento de Santos Lima durante seu depoimento à comissão no dia 24 de julho, junto com outros três colegas. Diante das perguntas dos deputados Moroni Torgan (PFL-CE) e Robson Tuma (PFL-SP), se tinha conhecimento da notícia de que alguma autoridade encarregada de investigar o caso teria um parente no Banestado, Santos Lima escondeu o fato de ter sido casado com uma funcionária do banco.

Em sua ficha funcional, consta que Vera Márcia trabalhou em dois dos principais locais onde funcionava a lavanderia no Banestado. De acordo com os documentos, entre 1995 e 1997, quando ocorreu a maior parte das remessas irregulares para o Exterior, Vera Márcia, ainda casada com Santos Lima, trabalhava como escriturária no setor de abertura de contas da agência da Ponte da Amizade, em Foz de Iguaçu. A investigação da Polícia Federal sobre a evasão de divisas por intermédio do banco mostra que a maioria das contas de laranjas, usadas para mandar o dinheiro para o Exterior, foi aberta exatamente nessa agência. Em 1997, ao se mudar com o então marido para Curitiba, Vera Márcia caiu em um setor ainda mais estratégico da lavanderia: o Departamento de Operações Internacionais do Banestado, onde eram fechadas transações fraudulentas de câmbio. O funcionamento da área de câmbio foi relatado por ex-gerentes do banco em depoimentos à CPI da Assembléia Legislativa de Curitiba, que também investiga o escândalo. Segundo os ex-gerentes, os funcionários desse setor recebiam comissão para recrutar doleiros e pessoas interessadas em enviar recursos para o Exterior. Ainda de acordo com sua ficha funcional, Vera Márcia trabalhou no local até 2001. Em um e-mail enviado aos colegas na semana passada, Santos Lima disse que se divorciou de Vera em 2002. O próprio procurador também informa ter entrado no caso Banestado em 1997. “Esses fatos mostram que, além de mentiroso, esse procurador não tem mais condições de chefiar a força-tarefa do Banestado. Deve ser afastado imediatamente. Na época em que sua mulher trabalhava nesses dois setores ele devia se dizer impedido para investigar o caso. Isso mostra por que ele mentiu descaradamente para a CPI quando perguntado se tinha algum parente que havia trabalhado no Banestado”, afirma o deputado Eduardo Valverde (PT-RO).

Reação – Na quinta-feira 4, Valverde protocolou na CPI requerimento convocando Santos Lima e Vera Márcia para depor na comissão. O deputado petista não é o único irritado com o comportamento do procurador. “Isso, para mim, é muito grave”, reage Moroni Torgan.“Se é assim, ele mentiu. Por quê?”, diz o deputado Robson Tuma (PFL-SP), que estuda o afastamento do procurador do caso, seu indiciamento pela CPI, sua reconvocação, junto com a ex-mulher, e a quebra dos sigilos fiscal e bancário dos dois. O senador Magno Malta (PL-ES) apóia: “É preciso que o dr. Fonteles (Cláudio Fonteles, atual procurador-geral da República) troque esse procurador.”

Senadores e deputados também ficaram indignados com uma outra informação publicada por ISTOÉ e confirmada pelo presidente da CPI, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), quando relatou os resultados da viagem de integrantes da comissão, da PF e do MP a Nova York para buscar novos documentos sobre o caso: durante a reunião com os promotores americanos, Santos Lima chegou a colocar em risco o acesso da CPI a mais de 300 caixas de papéis sobre a movimentação de dezenas de contas milionárias que receberam dinheiro sujo do esquema Banestado. O procurador afirmou que o MP brasileiro não era obrigado a considerar provas ou conclusões de comissões parlamentares de inquérito.

A história de Santos Lima mostra que o “instituto de suspeição”, instrumento em que uma autoridade se diz impedida de investigar um caso, não é mesmo o seu forte. No ano de 2000, estourou no Paraná o escândalo da venda irregular de ações do Sercomtel (empresa de telefonia pública de Londrina) para a companhia Paranaense de Energia. A transação envolveu a Banestado CTVM, corretora ligada ao banco estadual, e o Banco FonteCindam. A operação foi considerada fraudulenta pelo Tribunal de Contas do Estado. O TCE condenou ainda a contratação por cerca de R$ 2 milhões, sem licitação, do advogado Cleverson Merlin Cleve, encarregado de dar respaldo legal à transação. Advogado do ex-prefeito de Londrina, Paulo Belinati, cassado por corrupção, Cleverson é casado com a procuradora-chefe do MP Federal do Paraná, Marcela Peixoto, amiga de Santos Lima desde 1990, quando trabalhavam em Foz de Iguaçu. Esse laço de amizade, no entanto, não impediu que o procurador avocasse para si, por meio de portaria assinada no dia 16 de junho de 2000, o procedimento interno que apurava as irregularidades na compra de ações, em tramitação no MP de Londrina.

História ainda mais intrigante consta do ofício interno nº 037/97, a cuja cópia ISTOÉ teve acesso, enviado no dia 15 de dezembro de 1997 a Santos Lima por seu colega de trabalho, Jaime Arnoldo Walter. No comunicado, Walter, que havia trocado de gabinete com Santos Lima, pede explicações sobre vários processos que teriam sumido de um armário. “Não fosse tal atitude por si inusitada, pude constatar também que os processos a que me referi de início foram sumariamente transferidos para local ignorado, sem qualquer critério de transporte ou armazenagem, fato que causará inevitavelmente prejuízo no exercício de minhas atribuições”, diz Arnoldo Walter a Santos Lima no documento. Curiosamente, um dos processos citados no ofício apura a participação de funcionários do Banestado numa quadrilha que falsificava guias de recolhimento de impostos. O processo foi encaminhado pela PF à Justiça, sem o acompanhamento do MP, em maio deste ano.

Na defesa – A reação à reportagem de ISTOÉ, que movimentou a correspondência interna dos procuradores federais, foi liderada pelo representante máximo do órgão, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Em entrevista coletiva na segunda-feira 1º, Fonteles repetiu as explicações que recebeu de Santos Lima em um relatório. Reforçou que o procurador agiu de forma “perfeita” para resguardar a validade das provas e tentou minimizar o fato de que sua ex-mulher trabalhava no Banestado na época em que investigava o caso. Para Fonteles, esse fato não tem importância, já que Vera ocupava um simples cargo de escriturária. Ao defender o procurador, Fonteles argumentou que as denúncias do MP contra várias pessoas acusadas de lavagem de dinheiro, protocoladas em agosto desse ano, são a prova de que o procurador está atuando com rigor no caso. Santos Lima, no entanto, só começou a agir em março, depois de ISTOÉ denunciar o abandono das investigações e quando já havia sido a instaurada a CPI na Assembléia Legislativa. Na última semana, Santos Lima, que responde, com mais outros quatro procuradores, a processo por uso ilegal do dinheiro das diárias, anunciou que entrará na Justiça contra a ISTOÉ por se julgar prejudicado pelas reportagens sobre o Banestado.