A história da filosofia caberia na última reunião do Diretório Nacional do PT. Platão, Aristóteles, Hegel… nenhum é maior do que Delúbio Soares. No dia 8 de maio, o extesoureiro desistiu de se reintegrar aos quadros do partido. Não sem antes dar uma lição de moral nos companheiros, evocando o dilema que persegue a humanidade há milhares de anos. O que é mais importante: a ética individual, fundada na reciprocidade, ou o instinto de sobrevivência do grupo, regido pela conveniência? Aos chefes do partido, Delúbio lembrou suas qualidades: lealdade, sacrifício e, sobretudo, silêncio. Dos companheiros que hoje se lambuzam no poder, recebeu só a traição. Mas, em vez de impor seu retorno, o homem que guarda a contabilidade do PT retirou a ficha de filiação para não dividir mais uma vez o partido.

Seu discurso não poderia ser mais transparente – até mesmo nas entrelinhas. Já na primeira linha, Delúbio lembrou que o PT é "seu DNA". Coincidência, recado ou ato falho, DNA era o nome da agência de publicidade de Marcos Valério, o caixa do mensalão. Em seguida, disse ter cumprido "fiel e integralmente" as missões que o partido lhe delegou. Em vez de vítima, mostrou-se um homem resignado, que hoje prefere "as lágrimas à revolta". Mas disse não se conformar com o argumento daqueles que o aceitam de volta no PT, desde que após as eleições de 2010. Afinal, ele lembrou que o Delúbio de hoje é o mesmo de 1980, ano de fundação do partido. E o PT também não mudou muita coisa desde então.

O drama da reunião foi tão intenso que Ricardo Berzoini, presidente do PT, chorou copiosamente. Valter Pomar, que em 2005 defendeu a expulsão de Delúbio, ouviu o discurso de cabeça baixa. Benedita da Silva chegou a cochichar: "Se fazem isso com ele, que é branco e de olhos azuis, imagine o que fariam comigo." E Luiz Gushiken escreveu uma carta ao tesoureiro contrapondo as duas éticas: a pessoal e a política. Dizia que se Delúbio quisesse mesmo voltar ao partido, não haveria outro caminho a não ser aceitar. Mas lembrava que seria melhor deixar para depois. De novo, um embate entre reciprocidade e conveniência.

Como guardião do dinheiro e de todos os segredos não declarados do PT, Delúbio poderia ter escolhido o caminho do homem-bomba ou do arquivo vivo, mas quem faz essa opção nem sempre termina bem. Preferiu agir como o cordeirinho fiel que se sacrifica no altar da hipocrisia e que carrega todos os pecados do mundo, esquecendo-se apenas de que esse papel não tem prazo de validade. É para sempre. Só assim os companheiros – e até mesmo o Príncipe – podem continuar pecando.