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Foi deflagrada uma revolução invisível na indústria alimentícia. Ela atende por um nome longo, mas é feita de microscópicas partículas que alteram as propriedades dos ingredientes, concentram sabores e melhoram sua absorção pelo organismo. São os nanonutrientes, desenvolvidos graças à diminuição de compostos à escala nanométrica. Ainda que você nunca tenha ouvido falar deles e, com certeza, jamais verá algum, eles já estão presentes em sucos, achocolatados e outros produtos – ao menos no Exterior.

Apenas para se ter ideia da proporção, um nanômetro está para um metro assim como uma bola de gude está para o planeta Terra. E todo o efeito dos nanonutrientes está ligado justamente a esta redução. "Jogar água fervente em um grão de café resultará em uma bebida fraca", explica a engenheira de alimentos Rosiane da Cunha, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Porém reduzilo a pó libera o sabor e o aroma. É isso que acontece quando partículas de vitaminas, por exemplo, são submetidas a pressão, diminuem de tamanho e aumentam seu poder de ação."

O principal motivo para o uso da nova tecnologia são as exigências de consumidores e dos organismos que regulamentam a venda de alimentos, como a agência americana Food and Drug Administration (FDA). Num mundo em que o número de pessoas hipertensas, obesas e diabéticas tem crescido sem parar, os índices tolerados de sal e açúcar nos produtos industrializados serão cada vez menores e o controle cada vez mais rigoroso. Além disso, alimentos enriquecidos com vitaminas têm a preferência. No entanto, a retirada de substâncias como gorduras, açúcares e sódio pode modificar o paladar e a consistência dos produtos e prejudicar as vendas.

O maior feito dos nanonutrientes é justamente conseguir trocar ingredientes sem alterar o sabor. Mas como isso é possível? Novos aromas criados pela nanotecnologia cumprem essa função ao produzirem nas papilas gustativas da língua o mesmo efeito dos condimentos.

Eles enganam os receptores da língua e o cérebro", diz Paulo Menoita, da Firmenich, uma das empresas do segmento instaladas no Brasil. Numa leitura simplificada, é como se você, no lugar de tomar o açúcar de um refrigerante, estivesse na verdade ingerindo uma molécula que dá a percepção do adocicado.

A Firmenich e outras companhias têm feito apresentações dessas moléculas a executivos da indústria de alimentos. Na Givaudan, os recursos nanotecnológicos também são usados para testar a ação das partículas. "Recriamos receptores das células da língua com partículas muito pequenas para ver como reagem aos novos aromas", diz Moisés Galano, diretor-técnico da empresa.

Na International Flavors and Fragrances, outra representante da área, a tecnologia também está no cardápio.

"Fazemos moléculas definidas como nano", afirmou à ISTOÉ Mark Dewis, vice-presidente da empresa.

Outro foco que impulsiona as pesquisas é a necessidade de substituir corantes, associados a alergias alimentares. A empresa Basf se valeu da nanotecnologia para processar compostos como o betacaroteno, nutriente que funciona como corante em sucos e manteigas e que tem ação contra o envelhecimento precoce das células. "O tamanho reduzido das partículas aumenta a eficiência das substâncias como corantes e melhora sua absorção pelo corpo", diz Sandra Biben, gerente de marketing de nutrição para a América do Sul.

No Brasil, uma empresa especializada em nanotecnologia, a Nanox, de São Carlos, desenvolveu dois filmes para proteger os alimentos de bactérias que causam a deterioração. Assim, uma maçã mergulhada numa solução termina sendo revestida por uma nova película protetora que dobra sua vida útil. "Os filmes foram criados com partículas do milho e de quitosana (extraída dos crustáceos)", diz André Araújo, um dos sócios da Nanox.

PODER As partículas alteram as propriedades dos nutrientes, tornando-as mais intensas e melhorando o sabor ou a textura

Em princípio, os avanços são elogiáveis. Os nanonutrientes possibilitam a redução de substâncias que causam doenças crônicas, como a diabete, e aumentam a capacidade de o corpo se beneficiar de nutrientes importantes. Contudo, há questões preocupantes a serem consideradas. É difícil saber ao certo quais os produtos que já apresentam as partículas em suas fórmulas. No Brasil, nenhum rótulo informa a presença de nanonutrientes na composição dos produtos. Pior: o Ministério da Saúde sabe apenas que a tecnologia existe, mas não sabe dizer se o brasileiro está consumindo essas moléculas – e nem sequer realiza alguma discussão acerca do tema.

Nos EUA, o FDA disponibiliza uma lista de produtos em seu site.

Também não há informações claras das empresas. A maioria se mostra receosa e prefere manter-se desvinculada da nanotecnologia. Das 14 indústrias procuradas por ISTOÉ, por exemplo, apenas cinco se manifestaram (além das quatro citadas acima, a Kraft respondeu que realiza pesquisas na área). Nem as que assumem chamam seus produtos de nanonutrientes. "Fazemos moléculas em escala nano, mas elas medem entre 200 e 400 nanômetros. Isso está acima do que é considerado um produto de nanotecnologia, que deve ser de até 100 nanômetros", diz Sandra, da Basf.

Frans Kampers, especialista em bionanotecnologia da Universidade Wageningen, na Holanda, e referência mundial no assunto, diz que esse comportamento tem explicação. "A relutância é consequência do medo de reações negativas do consumidor", disse à ISTOÉ. "Mas praticamente todas as maiores companhias do setor pesquisam nanotecnologia e existem diversas produzindo ingredientes que considero nanotecnológicos. Seria bastante estranho se nenhum produto contivesse nanotecnologia de alguma forma", afirma.

Para discutir temas como a segurança das partículas para uso humano e desenvolver uma regulamentação para o setor, foi criada nos EUA uma iniciativa ligada ao FDA e a centros acadêmicos, o Project on Emerging Nanotechnologies. "A não exigência de identificar nanoingredientes para os consumidores torna difícil dizer qual é a situação real desse jogo atualmente", disse à ISTOÉ Andrew Maynard, principal conselheiro do programa americano. "Precisamos mudar isso."

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