Para muita gente, falar em público é a imagem do terror. Começa com o medo de ser julgado e o pavor de gaguejar ou suar frio. A possibilidade de um sorriso maldoso ou uma crítica aberta é suficiente para fazer as pernas tremerem e a vergonha ruborizar a face. Por que então cada vez mais pessoas optam por se expor espontaneamente a situações vexatórias? Por todos os lados, é fácil achar alguém que desafina no karaokê, vive dando bola fora no futebol ou tropeçando na pista de dança e parece não se incomodar em ser ridicularizado. Na internet e na televisão, pipocam situações constrangedoras, divulgadas pelo próprio protagonista ou por amigos.

Desafinar não é problema para a analista de sistemas Melissa Pissuto, 30 anos. Com cerca de mil músicas no karaokê de casa e muita vontade de cantar, ela solta a voz até sozinha. "Uma vez, me empolguei tanto que, quando percebi, os vizinhos estavam vaiando", conta Melissa, que não se sentiu inibida de continuar subindo ao palco para testar os limites do gogó. Ela não se preocupa se sua voz agrada ou não. O importante é se divertir com o grupo. A gerente de novas mídias Eli Mafra, 21 anos, está no mesmo time. "Não me importo de pagar mico no karaokê desde que esteja com os meus amigos, que vão rir comigo", diz.

Uma coisa é certa: só mostra a cara quem tem algo a ganhar. "As pessoas só expõem aquilo que dão conta, e com motivo. Pode ser crescimento pessoal ou algo que ajude a dar significado à situação", diz a terapeuta e professora da Unifesp Ana Lucia Horta. "A vergonha está muito ligada a valores impostos socialmente." A secretária Adriana Masetti, 41 anos, passou por situações embaraçosas quando se interessou pelo universo do vinho. "Certa vez, peguei a taça de forma errada, e percebi que as pessoas reparavam, olhavam feio", conta ela, que resolveu estudar o assunto.

Ao contrário do que prega o senso comum, um estudo da Universidade de Michigan, do ano passado, demonstrou que crianças com maior autoestima tendem a se tornar agressivas quando expostas à humilhação. Na pesquisa, elas disputaram uma partida contra um computador, induzidas a acreditar que estavam jogando contra alguém do mesmo sexo e idade. As que tinham a autoestima mais elevada tiveram respostas mais agressivas quando acharam que tinham perdido para um oponente semelhante. "A vergonha é paralisante e destrutiva.

Ela corrói nosso senso de valor próprio", disse à ISTOÉ a autora do estudo, Brené Brown, uma das maiores especialistas do mundo sobre o assunto. Segundo ela, a vergonha é um sentimento devastador, pois atinge a autoavaliação da pessoa, e não seus atos. Ou seja, a pessoa se envergonha de quem é, e não de coisas que fez.

Para a pesquisadora, há uma diferença clara entre vergonha e a sensação de estar sem graça. "Constrangimento é, por definição, passageiro, eventualmente engraçado e normal", afirma Brené. São situações nas quais podemos nos reconhecer e que acontecem normalmente. Já a vergonha é um sentimento duradouro e devastador, que causa a sensação de ser anormal e solitário. Até a humilhação é menos destrutiva do que a vergonha. "Quem se sente humilhado, não acha que merecia isso", diz ela. Já o envergonhado abraça a desqualificação.

Para o engenheiro Evandro Daolio, 31 anos, autor do Ria da minha vida antes que eu ria da sua, as situações embaraçosas foram tantas que renderam uma série de três livros – o quarto está a caminho. "Tento encarar as situações com bom humor. Tenho mais vergonha pelos amigos que estavam junto do que por mim", conta Evandro.Dono de um posto de gasolina, ele já se pegou de tanque vazio no fim de uma subida, e, ao tentar empurrar o carro, percebeu que não aguentava o peso.

Passou quase meia hora sustentando o veículo, até aparecer alguém para ajudar. Mas as declarações de amor, com serenatas e faixas românticas, são os micos mais frequentes – embora muitos com final feliz junto às pretendentes. "Tenho vergonha, mas o que eu queria em cada situação era muito maior", diz o engenheiro. "Quando você faz as coisas por amor, as pessoas respeitam. Riem, mas numa boa."

De acordo com Marci Doria Passos, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, o que vale nessa hora é definir quais os valores que estão motivando a exposição. "Se é algo que você faz porque acha que aquilo vai lhe dar visibilidade ou porque acha que os outros vão aprender com aquela experiência, dribla a sensação de estar se humilhando", afirma a psicóloga. "Situações absolutamente humilhantes para um não são para outro, por envolverem conquistas, enfrentamento e aprendizado." Para Marci, o ridículo acontece quando uma pessoa se põe em posição superior. "Quem desqualifica é porque quer exercer poder sobre o outro."

Com a enxurrada de reality shows que exploram a crítica ao desempenho dos participantes, as situações de humilhação se tornaram espetáculo em rede nacional. No Esquadrão da moda, transmitido pelo SBT, a modelo Isabella Fiorentino e o consultor Arlindo Grund dão um "choque de realidade" ao destruir, literalmente, o guarda-roupa do participante – ele ganha R$ 10 mil em roupas, sapatos e acessórios novos.

"Quem participa sabe que vai ter exposição, e, por mais que se sinta ridículo no começo, entende que não estava bem", afirma Isabella. Arlindo é mais direto: "Quando o véu da cafonice cai, a pessoa acaba ficando com vergonha. Mas o choque é importante, porque prepara a transformação que vem de dentro", afirma.

A mineira Márcia Aparecida Borges Faria, 44 anos, aceitou bem as críticas porque vieram de especialistas. "Na hora em que a Isabella começou a jogar minhas roupas no lixo, tive a sensação de que ela estava jogando minha personalidade fora", conta Márcia. Professora, ela teve medo de gozações e de ser chamada de cafona quando o programa fosse ao ar, mas a reação dos alunos foi calorosa, cheia de elogios. Para Marci Passos, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, é fundamental entrar no jogo. "É fazer de uma situação degradante algo lúdico", diz.

Claudia Andréia Moraes Ruiz, 33 anos, que participou do programa 10 anos mais jovem, também do SBT, passou por situação semelhante. Ela conta que muito pior do que ouvir do público que parecia mais de 20 anos mais velha foi a filha de 13 anos evitar ser vista com ela na saída da escola. Desempregada, Claudia tinha poucos dentes, remendados com cola, e passou por uma bateria de cirurgias e procedimentos estéticos que repaginaram seu visual da cabeça aos pés.

Ela conta que, recentemente, uma mulher a reconheceu na rua e comentou que antes da transformação ela estava acabada. "Hoje eu fico feliz com essas reações", diz Claudia. "Porque, depois do balde de água fria, veio um monte de elogios." Para a apresentadora do 10 anos mais jovem, Lígia Mendes, é importante abrir a guarda e receber as críticas. "Ouvir a verdade é sempre bom. Muitas vezes quem está perto da gente fala de um jeito doce, e não damos importância."

Na opinião da pesquisadora Brené Brown, os reality shows têm um perigo escondido. "A vergonha está ligada à violência, à agressão, ao bullying e à depressão. Nós jogamos esse sentimento para debaixo do tapete e agora ele está emergindo como entretenimento. E, quando a vergonha se torna um esporte, é perigoso", diz ela. Para Brené, a melhor forma de mantê-la sob controle é aceitá-la e trazê-la para a roda de discussão, diminuindo o poder que ela exerce sobre nossas vidas.