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PREPARAÇÃO
Rodrigo Souto, do São Paulo: mala com
artefatos tecnológicos

 

Nos tempos de Pelé, Garrincha e tantos outros ídolos do passado que fizeram o futebol brasileiro ser respeitado no mundo inteiro, o que se fazia nas horas ou nos dias de concentração nem de longe lembra os passatempos de hoje. O craque Tostão escreveu que o rei Pelé gostava de se recolher no quarto para se concentrar. Ficava lá, sozinho com “seus botões”, descansando, pensando, dormindo. Sobre Garrincha, há várias anedotas a respeito de suas brincadeiras e tentativas de escapar para encontrar alguma garota que rendesse sexo. Os atletas não levavam apetrechos para os momentos em que ficariam confinados antes das partidas de futebol. No máximo, um rádio. Se o local tivesse uma mesa de bilhar, ela também seria bastante frequentada. E só. Hoje, não há pré-jogo sem smatphones, tablets, videogames, aparelhos de MP3, laptops, DVDs… A tecnologia chegou às cercanias dos gramados trazendo vantagens e desvantagens.

Meio-campista do São Paulo, o carioca Rodrigo Souto, 28 anos, leva duas malas para a concentração: uma com equipamentos esportivos e roupas e, outra, com seu “kit concentração”, formado por laptop, smartphone, dois tablets, um miniprojetor de vídeo e um óculos virtual com saída de áudio e vídeo. “Esses óculos projetam uma tela de 60 polegadas. Dá para ver um filme, é bacana”, conta o atleta, que tem mais de 750 títulos armazenados em um HD e outros 200 em seu iPod. Se, anos atrás, a única maneira de fugir da rotina imposta pelo clube era pulando o muro, agora dá para escapar sem sair do quarto. Eles conversam, através de redes sociais, com amigos, parentes e namoradas, ou mesmo relatam, em blogs ou nos telegráficos 140 caracteres do Twitter, o que está acontecendo no isolamento. E aí é que está o perigo.

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DIVERSÃO
Na falta de uma batucada ao vivo, Negueba, do Flamengo, ouve seus pagodes no tablet

Ronaldo Fenômeno é um exemplo da má exposição pública por meio da tecnologia. Em janeiro, quando ainda defendia o Corinthians, ele criticou uma emissora e apresentadores de tevê e bateu boca pela Twitcam com eles. No ano passado, foram os jogadores do Santos que perderam a linha no microblog. Eles xingaram torcedores, falaram palavrões, apareceram sem camisa, tudo de dentro do hotel onde estavam concentrados. Acabaram repreendidos pelo clube e tiveram de se desculpar em público. Mas, ainda bem, essas são exceções, e não regras. Pelo menos até agora. “De posse desse aparato tecnológico, os jogadores se comunicam com o mundo, não sentem esse conceito de presídio”, defende o sociólogo Maurício Murad, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O jovem Guilherme Pereira, 18 anos, atacante do Flamengo conhecido como Negueba, concorda. Ele é fã de pagode, mas, na impossibilidade de apreciar um grupo ao vivo, ouve seus cantores prediletos no iPad, seu mais novo xodó.

Negueba só larga o tablet antes de entrar no vestiário. Acompanha notícias de esporte, acessa jogos online, assiste a filmes, navega na internet. “Ajuda relaxar antes e depois de um jogo”, diz. O atacante também carrega um iPod Touch e um PlayStation 3 para as concentrações. O arsenal antitédio será expandido em breve com a compra de um iPhone e de um Macbook (laptop também da Apple). A brincadeira também pode ser compartilhada entre os jogadores. Na concentração da Seleção Brasileira Sub-21, o meio-campista do São Paulo Lucas Rodrigues da Silva, 18 anos, e Neymar, 19, jogador do Santos, trocavam mensagens pelo Twitter mesmo estando um ao lado do outro, cada um em sua cama. “Virou rotina. Quando chego no quarto, depois do treino, vejo tevê e posto algo interessante que ocorreu comigo no Twitter”, diz Lucas, que tem mais de 100 mil seguidores.

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DISTRAÇÃO
Lucas, do São Paulo, ignora a mesa de bilhar e se diverte no computador

Nos times menores a rotina de uma concentração não é diferente. No carioca Olaria, os jogadores Danilo de Freitas, 20 anos, e Felipe Oliveira, 22, costumam jogar pelo menos duas horas de games no dia que antecede o jogo. “Alivia a ansiedade”, afirma Oliveira, que anda sempre acompanhado de um Blackberry, um iPhone e um iPod. O argentino Nicolas Villafañe, 22 anos, se junta aos colegas para descontrair e, quando não está no videogame, fala com a família através do Skype. Freitas ilustrou bem a dependência que a maioria dos jogadores desenvolveu das engenhocas eletrônicas. Segundo ele, o clima ficou tenso em um dia de concentração quando caiu a conexão no hotel onde os jogadores estavam hospedados. “Bateu um desespero!”, confessa.

Para o técnico de futebol René Weber, 49 anos, recém-chegado dos Emirados Árabes, é necessário estabelecer regras. “Acho saudável eles se divertirem, manterem o contato com amigos e familiares. Mas tem de ter orientação e fiscalização.” Weber diz que nos times que comanda passou a determinar meia-noite como o horário máximo. “Já tive casos de jogadores que foram até as duas horas da madrugada teclando em véspera de jogo. Não dá.” Nessas situações, cabe o bom e velho “usar com moderação”.

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