Filmes de ficção baseados em histórias em quadrinhos ou, mais modernamente falando, em graphic novels – termo criado por Will Eisner para designar quadrinhos para adultos – podem tanto render boas adaptações como O Homem-Aranha quanto desastres na linha de Hulk. Eles são personagens complicados, estranhos na solidão de super-heróis, cada um purgando suas neuroses e aflições que, transpostas para a tela, podem ter as características realçadas, honestamente retratadas ou simplesmente destruídas. Calcado numa graphic novel de Alan Moore, A liga extraordinária (The league of extraordinary gentlemen, Estados Unidos, 2003), que tem estréia nacional na sexta-feira 12, não
é apenas mais uma adaptação. Trata-se de uma empreitada ambiciosa que correria o risco de se transformar numa fita nada extraordinária.
No entanto, o diretor Stephen Norrington, em ação com o roteirista James Dale Robinson, cunhou uma aventura extremamente curiosa
ao reunir não um herói, mas sete figuras – e que figuras! – pinçadas de romances e da literatura de ficção do século XIX e que na imaginação
de Moore se interligam como velhos conhecidos nada saudosistas de
seus passados cheios de artimanhas.

A ação se passa em 1899, época em que a melhor arma disponível
é o rifle. Mas uma série de ataques na Inglaterra, na Alemanha começam a ser feitos com tanques de guerra, metralhadoras e outros artefatos desconhecidos. Por trás da manobra está um tal de Fanton, cuja intenção é provocar o ódio mútuo entre os países europeus para desencadear uma corrida armamentista. É preciso, então, formar
uma liga, uma liga extraordinária, para combater o mal. O articulador
da empreitada é M (Richard Roxburgh), que manda um mensageiro à África atrás do lendário caçador e aventureiro Allan Quatermain – interpretado por ninguém menos que o já mítico Sean Connery –,
a esta altura mais interessado em tomar uísque no Kênia do que
estar a serviço de sua majestade britânica.

Juntam-se a ele o capitão Nemo (Naseerudin Shah) e seu fabuloso submarino Nautilus; a vampira Mina Harker (Peta Wilson), mordida por Drácula quando este tentava implantar seu reino em Londres; o “ladrão cavalheiro” Rodney Skinner (Tony Curran), que tomou uma poção de invisibilidade e não encontrou o antídoto; o dândi Dorian Gray (Stuart Townsend), ele mesmo, o vaidoso e fútil nobre que no romance de Oscar Wilde fez um pacto demoníaco para não envelhecer
e se tornar imortal; Dr. Jekyll/Mr Hyde (Jason Flemyng), o médico
e o monstro na mesma pessoa, que assustaram a Londres do fog;
e o agente americano – não poderia faltar, é claro – Tom Sawyer (Shane West), integrante do recém-formado serviço secreto do Tio Sam. Com uma mistura explosiva como esta, o diretor Norrington construiu um
filme criativo, cheio de adrenalina e delicioso de se assistir. O mais curioso, contudo, é que na sua ficção a coalizão de forças, a liga extraordinária que pretende salvar o mundo, apesar de ser um festival
de aberrações, encontra visíveis paralelos com a realidade atual. Até
o inimigo é totalmente patético.


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