Quem assiste ao programa Altas horas nas madrugadas de sábado para domingo na Rede Globo imagina que a atração comandada há quase três anos por Serginho Groisman se passa num auditório gigantesco. Mas, ao todo, só cabem 300 pessoas nas arquibancadas da colorida arena armada no estúdio 3 da filial paulistana da emissora. Número suficiente para tornar exíguo até mesmo o espaço reservado ao corre-corre do animador e à movimentação de seis câmeras, uma delas dependurada numa grua capaz de altos malabarismos. “Gostaria que a platéia ficasse ainda mais próxima”, diz o paulistano de 53 anos, que, com seu estilo nada paternal e ajudado por quilos de informação, vem transformando o Altas horas numa ilha de inteligência entre as constrangedoras opções de divertimento do fim de semana. Num dos programas recentes, no momento em que dava voz aos adolescentes da platéia, Groisman trouxe das arquibancadas a estudante Naya Corregiari Jorge, 17 anos. Com sua conversa macia, o apresentador deixou a jovem tão à vontade que ela soltou as rédeas e, num depoimento cheio de sinceridade, debulhou-se em lágrimas ao falar do fora do namorado. “O Serginho é muito discreto. Eu não queria ter ficado nesse estado, mas ele foi fazendo perguntas, eu fui respondendo…”, contou Naya minutos mais tarde, já refeita do choro.

Era visível a preocupação de Groisman em respeitar o sentimento da garota, cuidado também presente nos ótimos pingue-pongues com artistas, esportistas e celebridades em geral presentes nas duas horas de que dispõe para dar seu recado semanal. A receita por trás do Ibope de dez pontos – 485 mil domicílios só na Grande São Paulo –, ótimo índice para o horário, inclui artistas diferenciados, assuntos palpitantes e humor não ofensivo. Groisman não perde oportunidade de levemente ironizar os adolescentes com quem conversa. A platéia formada por estudantes entre 15 e 26 anos adora ser provocada. Dia desses, um garoto de cabelo espetado explicava ao apresentador que antigamente usava parafina para armar a juba. Para o rapaz, “antigamente” era há dois meses. O animador não deixou passar e o cutucou de jeito espirituoso.

Mas a turma, que muitas vezes acerta e deixa os famosos na maior saia-justa, não acha os puxões de orelhas agressivos. O curitibano Wahib Dib Neto, 15 anos, pagou R$ 85 e enfrentou seis horas dentro de um ônibus para participar de Altas horas. Sua esperança era sentar na cadeira azul dos entrevistados. “É a parte mais legal porque a gente fica conhecendo mais as pessoas. O Serginho tem a mente aberta, tira sarro da gente, mas levamos numa boa.”

 

Muitos acham que essa sintonia tem um nome: síndrome de Peter Pan. Respondendo, o apresentador – avesso aos cigarros, à bebida e ao casamento – garante que sempre se esforçou em passar a imagem contrária. “Tento ao máximo possível não me comportar como um adolescente. Também não sou aquele workaholic que vai aprender as últimas gírias dos garotos da periferia e saber que roupas estão usando.” Seu jeito eternamente jovial, no entanto, contribui bastante para a empatia com a platéia. Há uma década e meia lidando com o mesmo tipo de público – só no Programa livre, do SBT, recebeu mais de 550 mil pessoas –, Groisman diz que a pauta levada ao ar não deve se limitar à faixa etária. Assim, mescla convidados como Kid Abelha e Naná Vasconcelos ou chama para o bate-papo desde o tenista medalha de ouro dos recentes Jogos Pan-americanos, Fernando Meligeni, até o jornalista José Hamilton Ribeiro, que fez a cobertura da guerra do Vietnã para a extinta revista Realidade.
 

Não raro, tem-se a sensação de que o público está literalmente voando durante determinada entrevista. O propósito de Groisman, percebe-se logo, é elevar o nível da garotada, que, desde o dia 30 passado, vem sendo introduzida no “método” dos diretores de teatro Antunes Filho, Augusto Boal, Gerald Thomas e José Celso Martinez Corrêa, enfocados em mini-perfis de 20 minutos. “A idéia é saber qual o ponto de vista do adolescente perante as questões da sociedade. O que faz o próprio auditório se sentir reconhecido.” Na sala da redação do programa, decorada com sua imagem em tamanho natural, sobre a qual descansa a faixa da Copa Brasil de 1995 ganha pelo Corinthians, Groisman credita o humor nato à mãe, Ana, 79 anos, presença constante na platéia de Altas horas. A desenvoltura diante das câmeras, porém, é uma qualidade que foi sendo lapidada aos poucos. Olhando para trás, ele lembra que sempre esteve na direção dos centros acadêmicos dos cursos que frequentou – jornalismo, história, direito. Não por acaso era ele quem coordenava as movimentadas assembléias universitárias. Na década de 1970, a figura do líder estudantil era invariavelmente marcada pela barba e pelos cabelos longos. Groisman não fugia à regra. “Eu era uma mistura de Che Guevara com John Lennon”, lembra.

Ainda adolescente, o descendente de poloneses e romenos, estudante
do Colégio Renascença, fincado no reduto judeu do bairro paulistano
do Bom Retiro, já havia entrado na militância. “Teórica”, ameniza.
Com o codinome de Marcelo, integrou os quadros de um movimento clandestino que fazia panfletagens na periferia. “Era tão clandestino
que nem chegaram a me dizer que movimento era. Então saí.” Não
faz muito tempo, ele ficou sabendo que seu nome estava na mira dos agentes da repressão. Provavelmente por causa de suas atividades
como agitador cultural no histórico Colégio Equipe, onde passava
filmes proibidos, entre eles Encouraçado Potemkin e Os companheiros,
e promovia shows estrelados por nomes visados como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Jards Macalé.

Nem todas as recordações desses anos conturbados, porém, são marcadas pela paranóia. Groisman faísca os olhos ao falar dos espetáculos, feitos na maior precariedade e tendo nas bilheterias pessoas hoje famosas, como os integrantes dos Titãs. Futuramente, Groisman pretende transformar os anos loucos do Equipe em enredo de um filme-documentário, realizando assim o antigo desejo de ser cineasta. Sua paixão pela sétima arte vem dos tempos de menino morador da Barra Funda, quando, impossibilitado de frequentar as sessões noturnas, nas manhãs ia ao cinema vazio só para ficar olhando a tela branca. O uso de câmeras na mão, marca registrada de seus programas desde Matéria prima (1990), foi inspirado na estética do cinema novo. Mas, por ora, os assuntos cinematográficos são apenas idéias. Em janeiro, ele renovou seu contrato com a Globo por mais dois anos. Pretende se dedicar somente a Altas horas. “Tenho vários projetos, mas existe uma coisa que me preocupa, que é sempre ficar muito concentrado no que estou fazendo.” Nos dias de gravação, às quintas-feiras, essa concentração extrapola os limites. Altas horas só começa a ser gravado às 16h30. Mas, desde o almoço, o apresentador pode ser visto na emissora. Às 15h30 faz uma reunião de pauta com a equipe técnica na sala de edição. Jô Soares, que grava no mesmo estúdio, diz que Groisman faz o programa muito bem, com agilidade e rapidez. “Ele conduz a coisa à maneira dele, preserva seu estilo, é absolutamente pessoal”, diz o Gordo.

Cara maquiada, meia hora depois ele faz sua entrada no auditório, já apinhado de adolescentes que o recebem com urros e aplausos. Bastou passar perto da curitibana Ana Carolina Cerci de Sousa, 16 anos, para ser agarrado. “Adoro o Serginho, ele é meu ídolo.” Até o início da gravação, Groisman esquenta o público, dando informações sobre os convidados do dia. Nos tempos experimentais do Programa livre, às vezes reunia públicos bem específicos, feitos só de crianças, negros, homens, mulheres, debutantes, homossexuais. Hoje, o Altas horas de Serginho Groisman conta com a versatilidade e competência na gerência das entrevistas, qualidades cada vez mais raras na televisão brasileira.