O ritmo da música Rumba para los rumberos agita o público no ginásio de Anaheim, Califórnia, Estados Unidos, no domingo 24. Concentrada, a ginasta brasileira Daiane dos Santos pára num dos cantos do tablado do ginásio, ganha velocidade com uma sequência de saltos e, de costas, decola. O vôo dura pouco mais de um segundo, mas é suficiente para transportá-la da planície dos atletas de padrão médio às alturas do sucesso mundial. No pequeno intervalo de tempo em que ficou no ar, a gaúcha de 20 anos e 1,45 metro virou de frente, num movimento chamado rodante flic, fechou o corpo como um canivete e deu dois mortais impressionantes, consolidando um outro movimento, o duplo twist carpado. Logo depois, encerrou a apresentação igualmente curta, de 1m28s. Não precisava mais. Com a nota 9,737, a medalha de ouro na prova de solo, a primeira do Brasil em um campeonato mundial de ginástica, estava garantida. “Tive o pressentimento de que iria ganhar”, revela. Ela lembra que Bela Karoly, técnico da fantástica equipe romena da qual fazia parte Nadia Comaneci, a primeira ginasta a tirar um dez numa Olimpíada, dizia que achar uma moeda a caminho da competição era sinal de bom desempenho. “E eu achei duas”, conta Daiane.

Desenvolvido com a orientação do novo técnico da seleção brasileira,
o ucraniano Oleg Ostapenko, o duplo twist carpado é um grande feito. Apresentado pela primeira vez no campeonato brasileiro, foi definido
pelos juízes do Mundial como um Super E, ou seja, movimento com alto grau de dificuldade e risco. A Federação Internacional de Ginástica (FIG) poderá batizar a sequência de “Dos Santos”, sobrenome de Daiane. Se isso ocorrer, será um justo reconhecimento. Filha de uma cozinheira e
de um monitor da Fundação de Proteção Especial, a Febem gaúcha, a ginasta e suas três irmãs não passaram fome, mas tiveram as limitações de uma família de classe média baixa. Hiperativa na infância, levava à loucura os pais de seus amigos. Muitos deles se esforçavam para evitar
a presença da pequena em suas casas. Foi descoberta aos 11 anos pela técnica Cleusa de Paula, enquanto dançava e fazia bagunça numa praça do bairro Menino Deus, em Porto Alegre. “Vi que ela tinha força no braço e muita ginga”, contou Cleusa. A técnica levou Daiane para o Grêmio Náutico União, onde ela treinou até se incorporar à seleção brasileira. Para isso, mudou-se de Porto Alegre para Curitiba. “No início, o dinheiro das viagens saía na base do paitrocínio, o dinheiro que eu conseguia recolher no sufoco”, conta o pai, Moacir. Hoje, as coisas melhoraram. Entre salários e patrocínios, a ginasta embolsa cerca de R$ 12,1 mil mensais. Daiane não foi a única da família a pular naquele domingo. Ao ver na tevê um boletim anunciando a medalha, a mãe da ginasta, dona Magda, deu um salto e colocou a mão no peito. Felizmente, o coração continua em ordem. E o sofá também.
 


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