O Rio de Janeiro, que viu passar por suas praias o pioneirismo exibido de Luz del Fuego em sua Ilha do Sol, de Leila Diniz com sua gravidez de duas peças, de Fernando Gabeira com sua microssunga de crochê e, mais recentemente, de Rosemari Costa, a banhista presa no primeiro verão do século por tomar sol sem a parte superior do biquíni, é palco agora de uma briga – nos tribunais e nas areias – pelo direito de ir à praia sem roupas. Cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio decidem nos próximos dias se o poder público pode reservar uma praia para nudistas – o que deve criar jurisprudência para o resto do País. Enquanto esperam a decisão, os naturistas cariocas estão proibidos pela Justiça de frequentar a única praia nudista da cidade, Abricó, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste. A Associação Naturista de Abricó, com 150 pessoas, criou uma espécie de movimento dos pelados sem-praia e, em protesto contra o fundamentalismo vestido, seus integrantes passaram a frequentar uma praia secreta – cuja localização, a pedido, não será divulgada. Sem praia e sem a guarda municipal vigiando seus limites, como ocorre em outros redutos nudistas, eles convivem com o medo da repressão policial e a vizinhança indesejada de outras tribos, como voyeurs e swingueiros, como são chamados os adeptos da troca de casais.

“É uma hipocrisia proibir o naturismo em uma cidade onde as mulheres ficam nuas no Carnaval, em um desfile transmitido ao vivo para todo o mundo”, argumenta a gerente administrativa Márcia Rodrigues, 50 anos, vice-presidente da Associação Naturista de Abricó. No sábado 23, Márcia exibia suas formas com outros frequentadores da “praia do exílio”, incluindo sua netinha, de apenas três meses. “Já é naturista”, brincou. Editor do jornal naturista Olho nu, o professor de educação artística Pedro Ricardo Ribeiro, 45 anos, já foi preso cinco vezes por ser flagrado pelado na praia. “É preconceito puro e simples”, acredita. Recepcionista de um hotel, Marcos Ferreira, 30 anos, é outro órfão de Abricó. “Com tantos problemas no Rio, foram implicar logo com a nudez?”, inconformava-se. O que os naturistas chamam de filosofia de vida, porém, há quem classifique como exibicionismo. “Eu tenho o direito de ir a qualquer praia, por mais longínqua e deserta que seja, sem encontrar ninguém pelado”, condena o advogado Jorge Béja, inimigo público número 1 dos nudistas cariocas.

Foi Béja quem iniciou, em dezembro de 1994, com uma ação popular, a guerra de Abricó, uma área até então reservada para o naturismo pela prefeitura. Béja alegou que eles praticavam “ato obsceno em local público”, crime tipificado pelo código penal, e também desobedeciam à Lei Federal nº 7.661, segundo a qual as praias são bens de uso comum, “sendo assegurado sempre livre e franco acesso a elas e ao mar”. Os naturistas respondem que a nudez não pode ser considerada obscena e tudo o que eles querem é uma praia isolada para dourar ao sol. Nos campos nudistas, explicam, existem regras rígidas de conduta, como a proibição de sexo em público.

Abricó esteve liberada e vetada para o naturismo várias vezes, até que este ano a prefeitura entrou com um recurso contra a proibição. Béja acredita que, se vencer a batalha na Justiça, não apenas este, mas todos os recantos naturistas deverão ser liberados para os banhistas com calção e biquíni. Em outro campo de batalha, os naturistas lutam para não perder a única praia que lhes restou em terras fluminenses, a Olho de Boi, em Búzios, há mais de dez anos o principal reduto da tribo no Estado. Desde que Búzios se emancipou de Cabo Frio, há seis anos, a prefeitura não reconhece o local. Os naturistas temem que o prefeito Mirinho Braga, por ser evangélico, devolva a Olho de Boi aos vestidos. Isso já aconteceu em Cabo Frio, onde a Brava, ex-praia oficial de naturismo, teve seu registro cassado pelo então prefeito José Bonifácio Novellino.

Segundo a Federação Brasileira de Naturismo, existem 17 clubes e sete praias oficiais de nudismo no País, onde a prática tem consentimento das autoridades. A região sul possui a maior concentração, com três praias em Santa Catarina (Pinho, Galheta e Pedras Altas). Outras duas ficam no Nordeste (Tambaba, na Paraíba, e Massarandupió, na Bahia) e uma no Espírito Santo (Barra Seca). Dezenas de outras praias são points oficiosos. A
solução final para o dilema, acreditam os naturistas, é um projeto do deputado Fernando Gabeira (PT-RJ) que regulamenta o naturismo no
País. Ele foi aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado.
“Esse advogado (Béja) deveria visitar as praias naturistas para ver
como funciona”, sugere Gabeira, que até inaugurou uma delas, a de Galheta, em Santa Catarina.