Nem o tempo nublado que invadiu os céus de boa parte do Brasil na quarta-feira 27 arrefeceu os ânimos de quem se preparou meses para observar o planeta Marte em sua maior aproximação com a Terra. Milhares de curiosos se acotovelaram diante de telescópios instalados em vários pontos do mundo para tentar enxergar detalhes do planeta vermelho, distante 55,76 milhões de quilômetros da Terra. A última vez em que os dois astros estiveram tão próximos foi há 60 mil anos, em plena era das cavernas. Aqueles que perderam o espetáculo não precisam se preocupar porque o brilho intenso e avermelhado de Marte poderá ser visto a olho nu durante as próximas semanas, sempre na direção oposta ao Sol.

A aproximação, que deverá se repetir nas mesmas condições só em 2729, trouxe um novo ânimo aos astrônomos profissionais. Pela primeira vez, eles conseguiram registrar as imagens mais nítidas e cheias de detalhes da superfície marciana. O autor dessa façanha foi o telescópio espacial Hubble, que tirou várias fotos, entre elas um flagrante da cratera de Huygens, com 450 quilômetros de diâmetro, e da bacia de Hellas, com cerca de oito quilômetros de profundidade, criada pelo impacto de um asteróide que atingiu Marte há bilhões de anos. O material será útil, entre outras coisas, para os pesquisadores analisarem as propriedades físicas e o pó que recobre a superfície do planeta.

As novas imagens coroam uma carreira de sucesso do Hubble, colocado em órbita em abril de 1990. O telescópio foi batizado em homenagem ao astrônomo americano Edwin Powell Hubble, que derrubou o mito de que a Via Láctea era a única galáxia do universo. O paparazzo das estrelas tem o mérito de registrar situações antes só descritas na literatura científica. Imagens espetaculares de nascimento e morte de estrelas, colisões entre galáxias e tempestades de poeira em Marte são alguns exemplos.

Apesar de eficiente, o Hubble está com os dias contados: deve se aposentar em 2010. Boa parte dos cientistas defende sua permanência no espaço, isso se o telescópio receber uma recauchutagem, com a instalação de novas lentes. Desde que entrou em operação, ele teve a companhia do Observatório de Raios Gama Compton, que permaneceu em órbita de 1991 a 2000, e do Observatório de Raios X Chandra,
que desde 1999 registra as supernovas, resíduos de estrelas no momento
de sua explosão.

Para completar o time de olheiros universais, a agência espacial americana Nasa lançou na segunda-feira 25 o foguete Boeing Delta 2, que levou a bordo o poderoso telescópio infravermelho Space Infrared Telescope Facility (SIRTF). Sua diferença em relação aos atuais telescópios é que o infravermelho chega onde nenhum outro ousou chegar. Ele é capaz de percorrer longas distâncias e de detectar objetos muito frios, o que facilita a identificação de corpos celestes antigos. Além disso, ele enxerga através do gás e da poeira existentes entre as estrelas e as galáxias. Isso faz do SIRTF um poderoso aliado dos astrônomos, pois com esses dados é possível determinar com mais precisão a idade do universo. “O cosmo se mostrará mais transparente. Descobriremos como se formam as estrelas e as galáxias”, diz Francisco Jablonski, astrofísico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A torcida é para que o SIRTF, que ficará em órbita entre dois e cinco anos, seja tão bem-sucedido quanto o Hubble. Assim, a ausência do primogênito do espaço será menos sentida. O fato é que toda essa tecnologia de observação está ajudando o ser humano a desvendar os segredos do passado. Prova disso é que em 2007 a Agência Espacial Européia vai lançar o Herschel, outro telescópio infravermelho ainda mais potente que o SIRTF. Talvez antes do que se imagina, o ser humano consiga responder às perguntas que mais lhe atormentam: de onde viemos e
se existe vida inteligente fora da Terra.