Ao ministro Humberto Costa se adverte: permitir nomeações políticas indevidas é prejudicial à saúde. Ex-deputado federal por Pernambuco e ex-secretário Municipal de Saúde da Prefeitura do Recife, esse petista com pós-graduação em medicina geral comunitária, clínica médica e psiquiatria anda debilitado. Humberto Costa recebeu a desafiadora tarefa de comandar uma das áreas em que o governo anterior mais se destacou, fruto da competente gestão do economista José Serra (PSDB). Entre outras coisas, o tucano aumentou os níveis de profissionalização da Saúde, não se importando com a coloração ideológica de seus servidores, tanto que sua pasta estava repleta de petistas. Nos últimos dias, no entanto, o atual ministro sentiu os primeiros sintomas da doença que começa a fragilizar a Saúde no Brasil: o loteamento político em doses excessivas.

Os sinais mais fortes dessa praga que corrói parte da administração pública surgiram no Instituto Nacional do Câncer (Inca), sediado
no Rio de Janeiro. Com uma medicina de ponta, o hospital atende
duas mil pessoas em consulta e realiza 20 cirurgias diárias, todas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas essa excelência entrou em crise
e foi parar na UTI. Na segunda-feira 25, médicos se rebelaram contra
a esculhambação que tomou conta da administração do hospital
nos últimos meses. As prateleiras ficaram vazias e começou a faltar material, desde gaze e antibióticos até remédios de última geração. Revoltados, cinco diretores e muitos coordenadores e chefes de
serviço entregaram seus cargos.

No epicentro da crise esteve Jamil Haddad, diretor-geral do Inca até a segunda-feira 25, quando pediu exoneração. Integrante de um dos partidos da base governista, o PSB, e ex-ministro da Saúde (no governo Itamar Franco), Haddad assumiu o cargo por indicação do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com um currículo político irretocável – também foi prefeito do Rio, senador, deputado estadual e federal –, o ortopedista cometeu um dos maiores erros de sua carreira: o clientelismo.

Convidou para a coordenação administrativa do Inca uma prima, Zélia Maria Abdulmacih, mulher do vereador Sami Jorge (PDT-RJ). De administração hospitalar, Zélia entende pouco. Foi pelas mãos do marido que ela ocupou alguns cargos públicos, como o de presidente da Fundação de Parques e Jardins do município do Rio, numa gestão recheada de suspeitas de corrupção. Quando Zélia assumiu o Inca, ignorou as recomendações da equipe de transição de manter uma lista de 64 itens no estoque. Haddad ainda promoveu um desmonte ao afastar profissionais antigos para empregar correligionários. Quando a crise ultrapassou os portões do Inca, Zélia abandonou o posto.

“Recebi uma punhalada nas costas. Nunca se falou em desabastecimento nas reuniões”, queixou-se o ex-diretor. No início da crise, o ministro negou que tenham havido indicações políticas no Inca. Mas, na quarta-feira 27, ele reconheceu que um dos critérios para a escolha de servidores na sua pasta é de fato o político. “Vamos governar para inimigos?”, perguntou para, em seguida, completar: “Vamos continuar a trabalhar com gente competente, mas que tenha lado.” Humberto pôs o Inca sob a intervenção do secretário de Atenção à Saúde, Jorge Solla. Medidas de emergência foram adotadas para reabastecer o instituto. O corre-corre pode até estancar a crise hospitalar, mas não a política, que pôs em xeque os critérios da distribuição de cargos.

Politização – Em março, o governo revogou um decreto que impedia a ocupação das chefias da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) por funcionários com menos de cinco anos de casa. A alegação de Humberto Costa, na época, era de que a lei engessava as nomeações. Assim, estava livre o caminho para distribuir as 27 diretorias regionais da Funasa no País aos partidos da base aliada: PT, PTB, PPS, PDT e PCdoB. Nem todos os apadrinhados eram epidemiologistas ou tinham ligações com o saneamento básico.

Alguns dias antes do escândalo do Inca, o ministro da Saúde já estava na berlinda por outro fato: a exoneração da presidência da Funasa do médico Antônio Carlos Andrade. Os motivos foram os mesmos de sua nomeação: a política. Andrade é marido da deputada Maninha (PT-DF), que se absteve na votação da reforma da Previdência. Em nota oficial, o ministro admitiu que o motivo da demissão era político. A ordem partiu do ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu. O vice-líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP), aplaudiu Humberto Costa e ainda recomendou: “A atitude do ministro deve ser seguida pelos outros.” Depois de tantos problemas será que alguém na Esplanada dos Ministérios vai seguir o conselho?