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A densidade populacional de Bangladesh é impressionante. Neste país vivem aproximadamente 145 milhões de pessoas para um território de 144 mil quilômetros quadrados. É como se toda a população brasileira habitasse o Estado do Paraná, por exemplo. Dacca, a capital, tem uma população semelhante à de São Paulo, mas o número de pessoas por quilômetro quadrado é muito superior. O trânsito é caótico. Riquixás, bicicletas, motocicletas, automóveis que não param de buzinar, ônibus lotados, por vezes com passageiros na capota, circulam no meio de pessoas que cruzam as ruas em todas as direções disputando espaço. A pobreza é grande. Ao sair dos hotéis, verdadeiras ilhas de conforto, qualquer pessoa é cercada e seguida nas ruas por pedintes. São homens, mulheres, idosos, muitos aleijados, crianças sem roupa carregando outras no colo. O comércio informal é tão ou mais importante do que o formal. A produtividade é baixa. Muito diferente do que se vê em cidades como Pequim ou Seul, onde impressionam os numerosos guindastes da construção de edifícios, aqui quase ausentes.

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Neste ambiente tão problemático há uma pessoa que acredita firmemente no que tem feito para elevar o padrão de vida das pessoas aqui. É o professor Muhammad Yunus, o Prêmio Nobel da Paz em 2006. Tornou-se conhecido por ter criado a mais notável experiência de microcrédito no mundo através do Grameen Bank, ou Banco do Vilarejo. Yunus percebeu que na cidade de Jobra, perto do campus da Universidade de Chittagong, as pessoas batalhavam para sobreviver com pequenas somas de dinheiro. Lá encontrou uma mulher, que como as demais na região, fazia empréstimos de pequenas quantias para a compra de matéria- prima para fazer artesanato. Como o juro pago ao agiota era muito alto, as pessoas eram obrigadas a vender sua produção com margem mínima de lucro. A condição era a de uma escrava. Yunus fez então uma lista de 42 pessoas que eram vítimas desse tipo de procedimento naquela vila. Somados todos os valores individuais, elas precisavam de US$ 27 no total. Ele resolveu então emprestar para elas os recursos de seu próprio bolso, com taxas de juros módicas. Ficou impressionado porque todas pagaram seus compromissos em dia. Procurou gerentes de bancos e banqueiros para convencê-los a emprestar dinheiro para os pobres sem garantia colateral que não fosse a sua própria palavra. Não conseguiu. O professor decidiu ousar e mostrar que tinha razão. Em 1983 organizou o Grameen Bank, que hoje empresta recursos para 7,5 milhões de pessoas pobres de 73 mil vilas em Bangladesh. Oitenta por cento das pessoas pobres no país já receberam empréstimos do Grameen, num total de mais de US$ 6 bilhões.

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O grau de cumprimento dos compromissos é superior a 99%. O resultado é que 58% dos que receberam empréstimos já deixaram para trás a linha de pobreza. Hoje o Grameen empresta recursos tanto para atividades em que as pessoas decidam iniciar um empreendimento, comprando desde uma vaca ou algumas galinhas até equipamentos industriais para a produção de mercadorias, quanto recursos para a construção de casas. Com isso, mais de 640 mil estudantes prosseguiram seus estudos de nível médio ou superior. Até os pedintes receberam empréstimos para que iniciassem atividades de trabalho e deixassem a mendicância.

A experiência de visitar Bangladesh foi fantástica. Passei um dia na vila de Singair, a uma hora da capital. Assisti à reunião de cerca de 70 mulheres que recebem empréstimos há vários anos..

Elas me contaram como o microcrédito elevou o padrão de vida delas. De uma vaca, passaram à criação de várias outras, com a venda de leite e derivados. De algumas roupas artesanais, passaram a reproduzir muitas peças, de melhor qualidade. Seus filhos puderam estudar, construíram suas casas, ainda que de zinco e bastante simples, e assim por diante. As mulheres são responsáveis por mais de 90% dos microcréditos. Elas formam grupos de cinco, que interagem entre si com o objetivo de auxiliar umas às outras para que cada uma cumpra seu compromisso de quitar seu empréstimo. Elegem uma coordenadora- líder, com mandato de um ano que, por sua vez, se reúne com as coordenadoras de inúmeros grupos, como o das 70 que estavam reunidas na vila rural que conheci. Essa sistemática transformou as mulheres das vilas de Bangladesh, elevando sua autoestima e dignidade perante a sociedade, os homens e a si mesmas.

Yunus recebeu-me com entusiasmo por ver que mais alguém do Brasil – aqui já vieram os senadores Maguito Vilela e Cristovam Buarque – vinha conhecer de perto os avanços obtidos pelo Grameen Bank e suas organizações conexas. De minha parte, também vim para lhe falar, bem como à sua equipe, de como será possível harmonizar o microcrédito com a Renda Básica de Cidadania como instrumentos vitais para colocar fim à pobreza e a promover o desenvolvimento.

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O entusiasmo do professor é tão grande que ele acredita ser possível, em breve, erradicar a pobreza absoluta em todos os países. "Se acreditarmos firmemente que a pobreza é algo inaceitável para nós, e que ela não deve existir numa sociedade humana civilizada, então temos que construir instituições apropriadas e políticas para criar um mundo livre da pobreza", ressaltou ele em seu discurso na cerimônia em que foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, Noruega, em 10 de dezembro de 2006.

Desta forma, um dia a pobreza será passado, e o único lugar em que as pessoas poderão saber o que ela representava será em museus que serão criados, segundo a sua sugestão. O primeiro Museu da Pobreza, me contou, será inaugurado em Copenhague, na Dinamarca, em 24 de setembro próximo, pois naquele país já não existe a pobreza absoluta. Pouco depois de receber o Prêmio Nobel da Paz, o professor Yunus disse que pensava fundar um partido político e tentar se eleger primeiro-ministro de Bangladesh.

Mais recentemente, entretanto, avaliou que será melhor continuar com as atividades em torno do Grameen Bank. Pesou muito para a sua decisão o alto grau de corrupção que ainda caracteriza a política em seu país. Em pronunciamentos recentes ele tem estimulado o povo, sobretudo os jovens, a votar conscientemente em quem tenha um comportamento ético exemplar. Mas não será surpresa para mim se em algum momento no futuro as pessoas de Bangladesh o convidarem para liderar transformações ainda mais importantes.