Ano-novo é o nome do futuro. E no futuro cabe tudo, conforme o gosto do freguês e o espírito do profeta. Tudo de ruim e de bom que a imaginação mobiliza. Diante desse quadro, vou compartilhar com os leitores um presságio positivo e um negativo.

A vantagem paradoxal de chegar ao fundo do poço é ver-se obrigado a reconhecer a realidade. O desastre impiedoso nos impede de tapar o sol com a peneira, porque, ante sua evidência ostensiva, deixa de fazer sentido iludir-se e enganar a sociedade. E, quando se assume o fracasso, dá-se o primeiro passo para superá-lo. Na segurança pública, em muitas de nossas cidades, chegamos ao fundo do poço. A magnitude desse drama é de tal ordem que seus efeitos já são identificáveis no perfil da estrutura demográfica. A sociedade brasileira já apresenta um déficit de jovens do sexo masculino comparável ao que se verifica em países que estão em guerra. Nessa dinâmica fratricida, jovens pobres das periferias e favelas matam jovens pobres das periferias e favelas. A fonte gravitacional que os recruta para o varejo do tráfico de drogas lança-os em direção a outras práticas marginais, cujos desfechos são crimes contra o patrimônio e contra a vida – uns e outros tendendo a confundir-se, em razão da intensidade crescente da violência, derivada sobretudo da disponibilidade de armas.

Nos últimos anos, esse cenário degradante transbordou o tradicional cinturão sanitário que o circunscrevia e que protegia, com brutalidade e silêncio, as camadas médias, a elite, os bairros nobres. Hoje, os efeitos diretos e indiretos dessa guerra cotidiana atingem todas as classes e grupos étnicos, indistintamente, ainda que os efeitos letais continuem concentrados, na medida exata, mas em proporção inversa à concentração de renda e poder.

Nesse novo ambiente, em que todos compartilhamos a insegurança, a velha retórica que clamava por violência policial como antídoto à violência criminal revelou toda a sua indigência ética e prática: suas consequências têm sido a escalada da violência; a simbiose entre segmentos policiais e o mundo do crime; a perda de credibilidade das polícias e sua progressiva deterioração profissional, moral e institucional.

Diante desse contexto e instados pelo imperativo pragmático de encontrar uma saída, muitos dos antigos defensores de propostas truculentas começam a dar sinais de recuo e de abertura a novas idéias. No horizonte, se insinua uma possibilidade extraordinariamente promissora: que se produza, na arena das disputas eleitorais de 2002, um consenso razoavelmente amplo em torno das seguintes convicções: por um lado, é necessário combinar eficiência policial e respeito aos direitos humanos; por outro, é indispensável rever a política de drogas, investir toda a energia na integração da juventude, libertar as comunidades reféns de criminosos e policiais corruptos, reprimir com rigor o tráfico de armas, moralizar as polícias e refundar a perícia.

O mau presságio fica por conta do provável comportamento dos políticos oportunistas, que certamente excitarão o medo popular para adubá-lo e convertê-lo em demanda por métodos policiais bárbaros, reiterando bordões desgastados, porém eficazes. Mais sombrio ainda seria a hipótese de sabotagem, inspirada nos “arrastões” que, em 1992, derrotaram Benedita da Silva na disputa pela prefeitura. Ano que vem, ela será candidata novamente. Dessa vez, ao governo do Estado do Rio. Onde está a madeira mais próxima?