Conciliador, o prefeito de BH vira símbolo do PT e propõe a ampliação do diálogo político com tucanos e pefelistas

Ele foi, como diz o jargão, “comendo pelas beiradas” até se reeleger prefeito de Belo Horizonte com nada menos que 68,49% dos votos válidos. Fiel ao estilo mineiro, o economista Fernando Pimentel tenta ser modesto. É algo difícil para quem ainda sente o cheiro da vitória e nunca foi tão paparicado por políticos e assediado pela imprensa. Durante a posse, recebeu um sem-número de elogios do presidente de seu partido, José Genoino, que lhe conferiu status de prefeito-símbolo do PT: “A liderança do Pimentel tem uma simbologia muito grande entre os novos prefeitos. Ele é uma força em ascensão”, declarou. Fortalecido politicamente, Pimentel demonstra segurança para opinar sobre os novos rumos do PT, as campanhas fracassadas e, principalmente, a prática política que, segundo ele, Minas tem a ensinar: “Menos autocentrada e reconhecendo a importância de outros partidos.”

De fato, a trajetória do PT em Belo Horizonte é bem diferente da de outras capitais: recheada de alianças, diálogos amigáveis com adversários e portas abertas entre prefeitura e Estado. A relação de Pimentel com o governador Aécio Neves (PSDB) é tão boa que, durante a campanha, se chegou a dizer que o tucano apoiava veladamente o petista contra o candidato de seu partido, João Leite.

Mineirices eleitorais à parte, Fernando Pimentel agora quer se projetar como interlocutor nacional do PT. Para começar, faz uma proposta ousada: reunir-se com os prefeitos do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL), e de São Paulo, José Serra (PSDB), para “conversar e colocar na agenda nacional soluções que possam ser adotadas por todos os municípios.”

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. costuma cobrar que lideranças de fora de São Paulo tenham mais espaço no PT. A sua ?ascensão? como prefeito-símbolo do partido é um passo nessa direção?
Fernando Pimentel

Pimentel – Fico honrado, mas tenho consciência da minha dimensão. Sou do tamanho da minha cidade, que é a mais importante depois de Rio e São Paulo. Pretendo usar este prestígio político em benefício de Belo Horizonte. Do ponto de vista do partido, acho que cresce a idéia de que é preciso ter uma cara mais nacional, e isso passa pela qualificação de outras lideranças nacionais expressivas, como o João Paulo, o Marcelo Déda, o Jorge Vianna.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O que o PT de Minas fez de diferente nas eleições que o levou a vitória tão expressiva?
Fernando Pimentel

Pimentel – Aqui nós começamos, muito antes do resto do País, a praticar uma política de alianças e de convivência com outros partidos. Ganhamos a prefeitura em 1992, com o Patrus Ananias. Em 1996, o PT lançou o Virgílio Guimarães, mas o Célio de Castro (PSB), então vice do Patrus, saiu candidato também. Resultado: o Célio ganhou. E o que ele fez? Convidou o PT para continuar no governo. Foi uma lição importante de convivência partidária, que nos ajudou muito no futuro. Em 2000, Célio ia tentar a reeleição e o PT preferiu apoiá-lo. Pela primeira vez, desde sua criação, o partido não apresentou candidato a prefeito em Belo Horizonte. Eu saí como vice. Foi uma experiência piloto do que viria a acontecer na eleição do Lula. Estou contando essa história para dizer que aqui em Minas temos uma prática política menos autocentrada, reconhecendo o valor de outras forças.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. acha que esta é uma das lições que o PT deve aprender?
Fernando Pimentel

Pimentel – O partido tem que fazer uma reflexão profunda sobre a evolução política da democracia brasileira. Nós, do PT, não somos os únicos personagens nem donos desta construção. Esta caminhada é de uma geração, que hoje se distribui por vários partidos.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Inclusive na principal oposição, o PSDB.
Fernando Pimentel

Pimentel – Claro. Boa parte dos nossos companheiros da resistência está no PSDB. Isso é bom. Um partido sozinho, por mais que se esforce, nunca será capaz de expressar toda a multiplicidade de uma democracia. Por isso, acho que o PT deve sempre buscar ampliar seu arco de alianças. E não é só para ganhar a eleição, não. É para governar.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Foi por isso que o PT perdeu São Paulo?
Fernando Pimentel

Pimentel – Não sei, não vou comentar São Paulo porque é um trem complicado… Mas acho que na eleição do Lula demos um passo maduro compondo com o PL e tentando contemplar as várias forças no governo. Quando veio esta eleição, o que aconteceu? Apesar do esforço da direção nacional, que tem a mesma visão, o PT saiu com candidato próprio em todas as cidades e capitais. Havia necessidade? Esta lição a gente tem que recolher. O PT tem que dar este passo. Somos uma sociedade que se reconhece como plural, heterogênea. Este é o nosso grande desafio para a próxima eleição.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. acha que o governo deve começar a se despaulistizar?
Fernando Pimentel

Pimentel – É uma pergunta delicada porque pode parecer que a gente tem restrição em relação a São Paulo. Não é isso. Não é que o PT seja excessivamente paulista, é que o Brasil se concentrou demais econômica, política e culturalmente na cidade e no Estado de São Paulo. Isso não é bom nem para São Paulo. Estamos no século XXI e boa parte do País ainda pensa como na virada do século XIX: “Eu vou para São Paulo porque lá tem empregos…” É ruim para São Paulo, porque concentra tudo lá. Alguém pode dizer: “Ah, mas é bom porque tem o crescimento econômico.” Não é. Com este crescimento concentrado vem a criminalidade, a miséria… Nós somos o país com maior número de metrópoles do mundo, onde vive um terço da população. E sem contar as regiões metropolitanas! Foi nosso processo histórico de urbanização, que é concentrador de renda, de riqueza, que gerou tudo isso. Sabendo disso, é óbvio que precisamos ter outros centros regionais de interesse econômico, de decisão. Mas não é só no PT que as lideranças paulistas… É assim também no PSDB. Por exemplo, acho bom que o governador Aécio Neves tenha um papel de projeção nacional. Também é muito bom para o Brasil que o governador Germano Rigotto (PMDB) seja ouvido.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. sempre pregou o diálogo do PT com o PSDB. Isso não se tornou inviável depois da eleição?
Fernando Pimentel

Pimentel – Não vejo problema. São dois partidos sólidos e grandes que têm um projeto nacional, trajetórias parecidas e compromisso com a democracia. Mesmo em lados opostos, um não duvida da seriedade do outro. Em segundo lugar, só há um projeto nacional possível. Há apenas um caminho e temos que acertar. A alternância de poder é importante, mas as linhas-mestras do nosso projeto, uma vez acertadas, terão de ser mantidas. Queremos que o próximo presidente chegue lá e reinvente tudo? Alguns companheiros do PT não entendem isso. Dizem que o Lula não inovou em relação ao governo FHC, mas não tem muito o que inovar. Ainda que, para mim, a política econômica poderia ser mais ousada… Mas o projeto nacional está sendo construído. Ele será de um único partido? Acho que não.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Mas 2006 não pode pôr tudo a perder?
Fernando Pimentel

Pimentel – É preciso maturidade para deixar de lado as divergências
partidárias. Aécio apoiou outro candidato aqui. Passou a eleição, vamos
continuar caminhando juntos. Por exemplo, por que PT e PSDB não podem,
no intervalo até a próxima eleição, conversar e avançar num projeto de reforma política? E na questão tributária?

ISTOÉ – ISTOÉ ? O ano começou com os tucanos ameaçando apoiar Virgílio Guimarães (PT-MG) na tentativa de derrotar o candidato do governo, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), para a presidência da Câmara.
Fernando Pimentel

Pimentel – Não acredito que isso prospere. O Virgílio é extremamente partidário, fundador do PT e amigo pessoal do presidente Lula. Não faria nada que pudesse impor uma derrota ao governo. Mas pode ser que deste episódio o partido constate que há outros nomes a serem considerados também, frente à dificuldade que o deputado Greenhalgh está enfrentando para impor seu nome.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Dizem que Aécio, no fundo, apoiava sua candidatura…
Fernando Pimentel

Pimentel – Dizem, mas eu acho que não. Durante dez dias da campanha ele apareceu no horário eleitoral. Cumpriu os compromissos. Fez uma campanha respeitosa, claro. Na política, é preciso ter o limite da cortesia, para não
quebrar a ponte que depois vamos atravessar. Aqui em Minas a gente sabe
fazer isso, talvez até melhor que em outros Estados. De vez em quando
alguém diz “ah, em São Paulo será impossível.” Não sei. Geraldo Alckmin é um homem qualificado para este diálogo com o Lula. A gente também tem que ter grandeza para superar divergências. Não se pode fazer política com mágoa. Tem que absorver algumas coisas, perdoar outras.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Há interlocutores capazes de fazer a ponte entre PT e PSDB?
Fernando Pimentel

Pimentel – Eu, humildemente, me coloco à disposição dos partidos, se assim quiserem a minha modesta contribuição. Acho que o cidadão quer que seus
políticos se entendam para achar um caminho para o Brasil.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Por trás de algumas derrotas do PT nessas eleições não estaria uma certa decepção com o governo Lula?
Fernando Pimentel

Pimentel – Não. Vi muitas pesquisas durante esta campanha. A popularidade do presidente caiu no primeiro ano até se estabilizar. Não acho que isso tenha influenciado. Acho que o Raul Pont (candidato derrotado do PT em Porto Alegre), por exemplo, com todo o respeito, está errado. Atribuir a derrota à votação do salário mínimo… não tem nada a ver. Lá ocorreram equívocos: fizemos uma campanha extremamente autocentrada, dialogamos pouco com a cidade e perdemos a eleição para um adversário respeitável, que é o senador Fogaça. Ele é popular e fez uma campanha leve. Nossa derrota em Porto Alegre tem a ver com problemas locais. E acho que na maioria das cidades foi assim.

ISTOÉ – ISTOÉ ? E em São Paulo?
Fernando Pimentel

Pimentel – Por algum motivo, Marta Suplicy não dialogou com a classe média.
Mas o Serra tem condições de fazer um bom governo. É qualificado, possui uma trajetória respeitável. Torço por ele. Assim como torço para o Aécio fazer um bom governo, e quero ajudá-lo.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O que seus 68% nas urnas mudam para o sr. e para Belo Horizonte?
Fernando Pimentel

Pimentel – Melhora a nossa interlocução nacional. Os meios políticos e a grande imprensa começam a prestar atenção nesta experiência mineira. As pessoas ressaltam a minha relação com Aécio, mas eu tinha uma excelente relação com o governador Itamar Franco também. Ele acabou apoiando a candidatura Lula. Eu, modestamente, tive algum papel nisso. Aqui tem o célebre ditado do Milton Campos: “Em Minas brigam as idéias, não os homens.”

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. disse que a política econômica deveria ser mais ousada. Que palpites arriscaria?
Fernando Pimentel

Pimentel – Sou defensor de primeira hora
de Antônio Palocci, mas torço para não renovarmos o acordo com o FMI. Precisamos
de flexibilidade para adotar arranjos locais, que não comprometam as nossas metas, para dar fôlego ao setor público. Precisamos de investimentos em infra-estrutura e para resolver problemas urbanos, e não acho que as PPPs (Parcerias Público-Privadas) sejam o único caminho. Durante um bom tempo é o dinheiro público que vai melhorar estradas, saneamento, urbanização de favelas. Algumas pequenas mudanças ajudam. Por exemplo, o prefeito Cesar Maia quer gerar mais folga para o endividamento do Rio. E por que os municípios não podem emitir títulos do seu tesouro? São exemplos de ousadia e criatividade.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Cesar Maia, embora se declare candidato à Presidência pelo PFL, ajudou o PT a ganhar algumas eleições no Rio de Janeiro. É este tipo de entendimento político que o sr. defende?
Fernando Pimentel

Pimentel – Estamos num momento privilegiado porque temos no eixo Rio–São Paulo–Belo Horizonte três prefeitos de partidos diferentes, economistas e da mesma geração. O Cesar é inteligente, um personagem político muito importante, sobre o qual não pairam questionamentos éticos, assim como o Serra. Por que não aproveitamos isso para conversar, achar caminhos, colocar na agenda nacional soluções que possam ser adotadas por todos os municípios?

ISTOÉ – ISTOÉ ? Então, o sr. propõe formar um grupo de discussões?
Fernando Pimentel

Pimentel – É. Uma coisa deste tipo.