O imaginário popular transformou o termo madrasta – que significa a mulher casada em relação aos filhos que seu marido teve em casamento anterior – em sinônimo de pessoa (ou coisa) má, capaz de gerar sofrimento. Contribuíram para isso todos os conflitos que a separação dos pais ou a morte da mãe pode gerar na cabeça de uma criança que, além de passar por isso, tem que aprender a conviver com a nova parceira do pai. Uma situação cada vez mais comum nas modernas configurações familiares, mas que não deixa de ser delicada. Sem se assustar, no entanto, com esse contexto, a arquiteta e professora de educação infantil Roberta Palermo resolveu investir contra essa mitificação, perpetuada em histórias e contos infantis. Ao assumir, há quatro anos, um relacionamento com o designer Márcio, foi extremamente receptiva com os filhos do primeiro casamento dele, Amanda, nove anos, e Lucas, 12.

Hoje, já com Pedro, de 18 meses, todos festejam a alegria da nova família. Contente com o sucesso no lar, ela resolveu expor no livro Madrasta, quando o homem da sua vida já tem filhos, lançado há
um ano, sua experiência como enteada (seu pai se casou duas vezes)
e como madrasta, falando de como é possível superar os eventuais conflitos. O livro gerou o site www.madrasta.hpg.com.br e o interesse
foi tanto que Roberta criou a AME – Associação de Madrastas e Enteados – para viabilizar encontros e troca de experiências. A primeira reunião foi no final de julho. “As pessoas precisam conversar com alguém. Os próprios familiares nem sempre ajudam porque no fundo não querem
que você entre numa relação na qual o homem tem filhos, ex-esposa
e tudo mais”, explica Roberta.

Para a publicitária Carla Delfino, 24 anos, de São Paulo, o livro foi um achado. “Estava até pensando em me separar, mas depois de conhecer
a experiência de Roberta percebi que estava exagerando no meu papel”, diz. Casada há três anos com o projetista Marcos Oliveira, 34 anos, ela sentia dificuldades em estabelecer regras com os filhos dele, Marcos Roberto e Annie Katarine, hoje com dez e 12 anos. “Marcos estava separado havia seis anos quando começamos a namorar. Em sua casa,
as crianças não estavam acostumadas a cobranças do tipo ‘é hora de dormir’ ou ‘é preciso arrumar a cama’. Eles começaram a ficar com raiva de mim”, lembra ela. Com as conversas no site e com as orientações do livro, Carla percebeu que “mandava demais”. “Eu dava ordens. Descobri que a minha responsabilidade está em colaborar. Quem tem de educar são os pais”, conclui ela.

Em especial no começo da relação, quando a nova mulher ainda
é uma estranha, fica difícil para as crianças acatar suas opiniões e, principalmente, suas exigências. Uma dica de Roberta é: combine as regras de convivência com o parceiro e deixe que ele as exponha
às criança. Outra coisa muito importante é aprender a dividir, e não disputar atenção. O ciúme pelo passado do companheiro e por todos
que o representam é um elemento comum a azedar esse tipo de relacionamento. Mas, para viver bem, a madrasta deve ter absoluta
boa vontade. “Com a ex-esposa e principalmente com os filhos, que
já existiam antes dela e de um modo ou de outro sofrem porque o
ideal para eles é que os pais vivessem juntos”, lembra Roberta.

Os encontros também podem beneficiar quem está na outra ponta da linha dessa rede familiar: os enteados. A professora Cristina Rosa, 26 anos, teve duas madrastas. Uma aos dez anos, e outra agora. Ela ainda luta para esquecer as mágoas que sente da segunda mulher de seu pai. “Ela era muito nova e imatura, falava mal do meu pai para mim e para minha irmã e falava mal de nós para ele. Ela nos jogava uns contra os outros”, relembra ela. Hoje, casada e com dois filhos, se sente reconfortada em poder falar do assunto. Também ajuda a terceira mulher de seu pai a lidar com os seus irmãos, filhos de sua primeira madrasta. “Eu procuro entender os dois lados e mostrar para ela as dificuldades dos filhos. E alerto o meu pai de como é importante participar de tudo. Comigo ele foi ausente”, conta. A experiência de Cristina ensinou a ela que cabe ao pai dar autoridade à companheira.

Roberta assina embaixo. Em seu livro, ela enfatiza a importância do envolvimento do homem no dia-a-dia da criança. Segundo ela, se os filhos estão seguros do amor de seus pais, educar fica mais fácil. Também a cumplicidade entre o casal é fundamental para que a relação entre os filhos e a nova parceira contribua para a formação de adultos felizes. E também para que a realidade seja melhor do que a fantasia. E, no final, nenhuma bruxa apareça no espelho.