A onda de calor que devasta a Europa desde o início do verão provocou um estrago sem precedentes. Pelo menos três mil franceses, principalmente idosos, sucumbiram às temperaturas superiores a 40ºC. A situação caótica levou à demissão do diretor da saúde na França, Lucien Abenhaim, depois da enxurrada de críticas e da hipótese de que o saldo real de mortos esteja perto dos cinco mil. O calor alterou o dia-a-dia dos europeus. Houve quem se despisse do pudor e apelasse aos banhos públicos. Foi assim em Paris, a capital da elegância, na Espanha, na Itália e na Alemanha.

Além dos milhares de mortos, o principal impacto do calor é econômico. Só Portugal e Alemanha calculam em US$ 1 milhão a perda com os incêndios que destruíram parte de suas florestas. A comissão agrícola
da União Européia estima em mais de US$ 5 bilhões o prejuízo com
a destruição dos plantios e avisa que alguns alimentos ficarão mais caros. O estrago provocado pelas enchentes do ano passado na
Europa Central passou dos US$ 16 bilhões, e a estimativa é que o prejuízo com o calor seja maior.

A causa do descontrole gerou polêmica. Alguns especialistas dizem que tudo está ligado a fatores naturais. A grande maioria dos cientistas, porém, aposta que a bagunça climática é resultado do efeito estufa,
que provoca o aquecimento global, e seria reflexo da ação humana. A emissão de gases tóxicos, como o gás carbônico e o metano resultantes do desmatamento das florestas e da queima de combustível fóssil, funciona como um cobertor ao reter o calor na Terra. O resultado é a elevação da temperatura nos oceanos e a alteração das correntes marítimas. “A corrente do Golfo sai do Caribe, margeia a América do Norte e é a responsável por manter a Europa aquecida. Com a elevação de 4ºC na superfície do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo, há um aumento na temperatura do ar que chega ao continente”, diz Pedro Leite da Silva Dias, pesquisador do instituto de ciências atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).

Os cientistas garantem que nas próximas semanas o termômetro vai baixar. Mas é bom se acostumar porque a dança do clima tende a se repetir. “A tendência é um aumento gradativo da temperatura no mundo”, afirma Dias. Calcula-se que a cada cem anos, o termômetro suba cerca de 1,5ºC. Mesmo com a baixa temperatura das últimas semanas em algumas cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, o inverno brasileiro está mais quente do que o de outras décadas. Tudo indica que o ano de 2003 baterá o recorde de1998, 2001 e 2002, considerados os anos mais quentes da história. Embora não seja possível prever os próximos verões e invernos, são evidentes os sinais de que a bagunça se instalou. “Será cada vez mais normal a ocorrência de temperaturas extremas. Ora faz muito calor, ora muito frio”, garante Dias.

O prognóstico não é animador. Os pessimistas apostam que as florestas tropicais, como a Amazônia, vão desaparecer em 60 anos, o que mudaria o clima e o ciclo de chuvas. Além disso, a mata se transformaria numa imensa massa vegetal e a sua decomposição liberaria mais gás carbônico, agravando o aquecimento global. “Assim como as enchentes na Alemanha ajudaram a eleger o presidente Schröder, a catástrofe européia será um mecanismo para pressionar a Rússia a assinar o Protocolo de Kyoto”, diz o engenheiro especialista em meio ambiente Cyro Eyer do Valle. O protocolo obriga os países desenvolvidos a emitir menos poluentes, o que significa um alívio para o clima nos próximos anos. “Se isso não ocorrer, em 100 anos, a temperatura pode subir 5,8 ºC”, projeta José Antônio Marengo, do centro de estudos climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O efeito estufa pode ainda interferir em fenômenos naturais como furacões e El Niño. O furacão se alimenta e se forma em águas quentes. Com o aquecimento dos oceanos, espera-se uma maior incidência deles. O mesmo ocorreria com o El Niño, que aumenta os temporais no Sul do Brasil, diminui as chuvas e eleva a temperatura no Norte e Nordeste. O derretimento das calotas de gelo também deve elevar o nível dos oceanos em até 70 cm, o que eliminaria do mapa cidades costeiras como Bangladesh e ilhas como as Maldivas. “A mudança climática é um fato. Não há como reverter, mas podemos amenizar seus efeitos e nos adaptar a ela”, afirma Dias. Significa mudar o comportamento de países inteiros para moldar suas vidas e casas a um calor inesperado.