O governo de Luiz Inácio Lula da Silva respira. Com a tarefa de encontrar dinheiro para a área social e, ao mesmo tempo, recuperar a infra-estrutura do País, investindo diretamente ou em parceria com o setor privado, o Palácio do Planalto comemorava, na semana passada, a redução de quase R$ 20 bilhões nas despesas com o serviço da dívida interna, depois da terceira queda consecutiva dos juros oferecida pelo Banco Central ao mercado financeiro. Cortando a taxa Selic de 26,5% em junho para atuais 22% ao ano, o Conselho de Política Monetária (Copom) oxigenou a execução do Orçamento deste ano, até agora suspensa pelo chamado contingenciamento. Além disso, viabilizou gastos com obras inacabadas no Orçamento de 2004 com a expectativa de economia no pagamento dos juros, que serão reduzidos ainda mais até o final do ano.

Outra dose de oxigênio virá da comissão especial da reforma tributária com a aprovação na Câmara do projeto de mudanças nos impostos, tornando permanente a CPMF – que vai arrecadar R$ 25 bilhões em 2004 –, desvinculando as receitas da União ao permitir o remanejamento de 20% das receitas alocadas em fundos constitucionais e órgãos específicos, e possibilitando o superávit de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano, como exige o acordo com o FMI. No fechamento da proposta do Orçamento da União para 2004, que será enviada esta semana ao Congresso Nacional, os técnicos dos ministérios do Planejamento e da Fazenda detectaram a falta de R$ 13 bilhões para os programas sociais acalentados pelo presidente Lula.

Desse total, R$ 5 bilhões serão conseguidos com o aperto dos sonegadores. Outro R$ 1 bilhão sairia das mudanças na tabela do
Imposto de Renda da pessoa física, previsto em projeto a ser enviado
até dezembro ao Congresso. Os R$ 7 bilhões que restam poderiam vir
da economia no serviço da dívida. Para 2004, o Orçamento terá R$ 402 bilhões para custeio e investimento, R$ 42 bilhões a mais que este ano. “O governo já encontrou fontes de recursos para gastar mais na área social”, avisou o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator do projeto de Orçamento no Congresso. Na reta final da elaboração da proposta, o Planejamento já definiu as obras e programas prioritários. Mas ainda restam alguns ajustes – e a briga entre ministros ainda é grande.

O ministro da Saúde, Humberto Costa, estava doente na semana passada com a possibilidade de perder R$ 5 bilhões por causa do remanejamento de verbas para outros programas da seguridade social de outras pastas. Este remanejamento de verbas chegou a ser previsto no projeto de reforma tributária, com o fim da desvinculação do dinheiro arrecadado pelos 0,38% da CPMF para a saúde. Na negociação com o ministro do Planejamento, Guido Mantega, Costa admitia abrir mão de R$ 2 bilhões.

Com a redução de R$ 20 bilhões no pagamento de juros, a União
poderia fazer milagres. Por exemplo, recuperar todos os 60 mil
quilômetros da malha rodoviária – que, segundo o Ministério dos Transportes, custaria R$ 6 bilhões –, liberar os R$ 2,5 bilhões previstos
em todas as emendas parlamentares ao Orçamento, cobrir os R$ 7 bilhões que faltam para os programas sociais e, com a sobra, fazer caixa para
a meta de superávit primário de 4,25% do PIB, cerca de R$ 43 bilhões previstos no acordo com o FMI. “O governo deveria utilizar essa folga
em obras públicas que reaquecem a economia, em vez de deixar este dinheiro no caixa para reduzir a relação dívida-PIB”, propõe o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).

Fazer essa ginástica financeira é difícil e arriscado porque, mesmo cumprindo as metas de superávit primário prometidas ao FMI, o governo precisa reduzir a vulnerabilidade do País e o comprometimento do PIB,
que hoje beira os 60%. Na receita neoliberal, torrar esse dinheiro é um sacrilégio, já que deixar de pagar R$ 20 bilhões com o serviço da dívida não significa que as contas brasileiras saíram do vermelho. “É preciso reduzir as taxas de juros reais da economia e fazer com que elas acompanhem a inflação, que está muito baixa. Esse dinheiro deve servir para reduzir o comprometimento do PIB com o endividamento, sob pena de retorno inflacionário”, argumenta o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), líder da oposição na Câmara.

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Além do gás adicional, o governo tentará renegociar o acordo com o FMI em novos parâmetros, permitindo que os investimentos das empresas estatais possam acontecer – sem que isso seja considerado gasto pelo Fundo Monetário e contabilizado na conta do déficit. Outra respirada que o governo pretende conseguir é com a mudança das normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que limitam
em R$ 200 milhões o endividamento dos Estados e municípios.

 

Crise no Congresso – Enquanto garimpa verbas para o Orçamento, o governo briga pela reforma tributária, que viabilizará seus projetos no próximo ano. A proposta – na verdade um ajuste sem a discussão sobre o pacto federativo – aprovada na comissão especial, na sexta-feira 22, foi motivo da maior crise entre governo e oposição no Parlamento, desde a posse do novo governo. “Isto não é uma reforma, é apenas um ajuste que só ajeita a vida do governo”, condena o deputado Gonzaga Mota (PMDB-CE), da base aliada.

Para aprovar o projeto relatado pelo deputado Virgílio Guimarães
(PT-MG), o governo concentrou energias para tornar perene a
provisória CPMF – sem reparti-la com os Estados – e para manter
a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e a cobrança no destino (local de consumo) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS), que passa a ter uma legislação unificada nacionalmente, com o máximo de cinco alíquotas.

Os governadores tucanos querem a transferência integral da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para os Estados, que se encarregariam de tocar as obras. Já os peemedebistas desejam uma parte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a formação do Fundo de Ressarcimento às Exportações. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), chegou a pedir, em nota oficial, que a votação da reforma fosse adiada porque não considerava o debate maduro. O governador gaúcho Germano Rigotto (PMDB) foi a Brasília para embutir, no texto da reforma, o fundo de ressarcimento às exportações, que compensaria os Estados pela isenção do Imposto de Exportação.

Os prefeitos querem aumentar a base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), incluindo – além do IPI – a Cofins, o Imposto de Renda, a Cide e a Contribuição Social Sobre o Lucro, para aumentar o que recebem na divisão do bolo tributário. “Sem negociar com os prefeitos a desigualdade tributária continuará”, reclama o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkosky.

A oposição ficou contra a proposta porque aumentaria a carga
tributária ao ampliar a base de cobrança de impostos, mantendo a cumulatividade da Cofins nas importações, permitindo a criação de impostos compulsórios e transferindo para projetos de lei complementar regras de ouro para os que querem garantias contra o aumento de impostos. Um exemplo são as alíquotas do ICMS, definidas por um conselho a ser criado por lei. Os empresários também reclamaram. “O governo desagradou os contribuintes, os prefeitos e os governadores.
A solução é começar tudo novamente e rediscutir o pacto federativo”, propõe Affif Domingos, da Federação do Comércio de São Paulo. O
dono da maior siderúrgica do País, Jorge Gerdau Johannpeter, promete botar fogo na caldeira: num almoço com deputados da oposição
gaúcha, em Brasília, prometeu mandar e-mail para cada deputando amaldiçoando a proposta do governo.

A sessão da comissão especial marcada para as 9 horas da manhã de quinta-feira 21 terminou em comédia pastelão. Os oposicionistas do PFL e PSDB usaram artifícios do regimento e encerraram a sessão antes da votação do projeto, que nem foi discutido. A alegação era a falta de quórum. De fato, os petistas e outros aliados, inclusive o relator Virgílio Guimarães, dormiram até tarde e chegaram mais de 40 minutos atrasados. “Cumpri o regimento”, defende-se o presidente da comissão, Mussa Demes (PFL-PI), acusado de golpista pelo vice-líder do governo, deputado Professor Luizinho (PT-SP). Aprovado na comissão, o projeto de reforma tributária será debatido e votado esta semana no plenário da Câmara, onde começará uma nova batalha em torno de uma reforma fluida, que só agora começa a tomar forma.

 

Principais obras

Quadro de metas do governo Lula para 2004

• Duplicação da rodovia Fernão Dias, entre Minas Gerais e São Paulo. Investimento: R$ 230 milhões.

• Revitalização do rio São Francisco. Investimento: a definir.

• Arco rodoviário de Sepetiba (RJ). Investimento: R$ 300 milhões.


• Duplicação da BR-101 no Nordeste e no Sul, para atender ao incremento do Mercosul. Investimento: a definir.

• Açude do Castanhão, no Ceará, o maior do País,
com água para encher duas vezes a baía da Guanabara.
Investimento: R$ 460 milhões.

• Programas sociais (Vale-Gás, Fome Zero, Bolsa-Escola,
Combate ao Trabalho Infantil e Cesta Básica da Saúde).
Investimento: R$ 5,3 bilhões.

• Projetos de habitação popular, nas regiões metropolitanas, onde se concentram 84% do déficit, hoje em 6,6 milhões de moradias. Serão beneficiadas famílias com renda até três salários mínimos. Investimento: R$ 5,5 bilhões.

• Programa emergencial de 80 mil moradias para populações de baixa renda em cidades com mais de 200 mil habitantes, criando 100 mil empregos nas regiões metropolitanas. Investimento: R$ 500 milhões.

• Programas de saneamento para urbanização de favelas e zonas de periferia das grandes cidades. Investimento: R$ 1,8 bilhão.

• Reforma agrária e financiamento de agricultura familiar.
Investimento: R$ 5,4 bilhões.

 


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