O mercado financeiro não gosta muito de surpresas. Mas foi difícil esconder a euforia com o choque recebido na quarta-feira 20. Contrariando virtualmente todas as previsões, o Comitê de Política Monetária (Copom) renegou seu passado conservador e subtraiu 2,5 pontos da taxa básica de juros, a Selic. As apostas, na média, não passavam de uma queda de 1,5 ponto. Os analistas mais ousados cravavam um corte de 2 pontos.

Passado o agradável susto, com os juros fixados em 22% ao ano, houve quem dissesse que havia espaço para uma redução ainda mais drástica. Mas o tom geral é de regozijo e esperança. O ano de 2003, que estava “perdido” em termos de crescimento, para usar um termo do vice-presidente José Alencar, ganhou uma sobrevida. Claramente já há mais ânimo com o desempenho das vendas no Natal. “A queda dos juros vai permitir a retomada dos investimentos ainda no segundo semestre”, disse o ministro do Planejamento, Guido Mantega. Hoje são poucos os que duvidam que 2004 já vai começar com um ritmo de atividade mais intenso – salvo alguma surpresa, das ruins, no cenário internacional.

“Em novembro começa uma pequena recuperação da economia”, aposta o diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida. “Finalmente o Banco Central sentiu o cheiro de queimado. Esperávamos cortes mais ousados desde março, quando a atividade começava a despencar junto com a inflação”, ironiza o industrial Mario Bernardini, ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). De fato, o freio imposto à economia, com o objetivo de debelar o monstro inflacionário, foi brutal. Tecnicamente, a indústria brasileira já se encontra em recessão. O lado bom é que a inflação dos 12 meses encerrados em julho já está dentro da rigorosa meta estabelecida pelo Banco Central (de 8,5% para este ano), o que leva à conclusão de que a redução continuará seu curso, iniciado timidamente em junho, quando o primeiro corte (de 0,5 ponto) da era Lula foi realizado.

O ministro da Fazenda, Antônio Palocci (que não participa da decisão e fica sabendo da nova taxa ao mesmo tempo que o restante dos brasileiros), elogiou a decisão pelo seu caráter técnico e usou um termo – “gradualismo” – emprestado do presidente do BC, Henrique Meirelles. Recitada com insistência nos últimos meses para justificar o compasso lento dos cortes, a palavra acabou por despistar e surpreender o mercado financeiro. Tudo indica que a política de redução gradual das taxas permanece viva. Só resta saber a que ritmo, o que mais uma vez cria uma onda de expectativa exacerbada em relação às outrora pouco badaladas reuniões do Copom.

 

De carona

Nem bem havia sido divulgada a nova taxa Selic e alguns bancos, lojas e financeiras já corriam para apresentar suas novas tabelas de juros. O fenômeno, se não é exatamente novo, vem se intensificando nos últimos meses. Virou quase uma questão de honra, principalmente para as grandes instituições financeiras, pegar carona no anúncio oficial. “O impacto nas taxas é imediato”, explica o economista-chefe da Febraban, Roberto Luís Troster. Marketing de oportunidade? Sim. O que é algo absolutamente legítimo, diga-se. Mas não é só. “O ato também tem um caráter político”, diz Miguel de Oliveira, presidente da Anefac (uma associação que reúne executivos da área financeira). Bancos e governo vêm travando, desde o início do ano, uma discreta queda-de-braço. Às vezes nem tão discreta assim, já que o próprio presidente Lula costuma pedir, publicamente, que os bancos reduzam seus ganhos em favor da clientela. É uma briga boa que, por enquanto, só tem um ganhador: o consumidor, beneficiário dos cortes.

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