08/04/2011 - 21:00
PERSONALIDADE
“Mesmo sendo um governo de continuidade, há
uma presença significativa da presidente”, diz Temer
No dia 11 de abril, com Dilma Rousseff em missão oficial na China, o vice-presidente da República, Michel Temer, assumirá o comando do País pela terceira vez na gestão atual. Dentro de seu proverbial estilo low profile, fará o possível para fugir de polêmicas e, certamente, procurará passar despercebido. A cara do governo, segundo ele, é a da presidente. Temer acredita que, em três meses, Dilma já conseguiu moldar a administração do País a sua personalidade, mesmo que este seja um governo de continuidade. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, concedida em seu gabinete ao lado do Palácio do Planalto, Temer destacou a “sensibilidade política” da presidente e afirmou que o PMDB “não é um partido fisiológico, é governo”. Mas reconheceu que a pecha pegou, embora “injusta”. Ele também esquivou-se das acusações de que esteve envolvido num esquema de cobrança de propinas patrocinado pelo PMDB paulista.
"As acusações (sobre a corrupção no porto de Santos) são improcedentes.
Ao longo dos meus 28 anos de vida pública, alguns tentam quebrar o meu moral”
“A Marcela se assustou com a notoriedade muito grande,
mas foi uma coisa passageira. Ela está cuidando do meu filho"
Sua influência na administração do porto de Santos (SP), no final da década de 90, sempre foi conhecida. Agora o sr. é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal sob a suspeita de participar de um esquema de cobrança de propina de empresas detentoras de contratos naquele porto. Como o sr. responde a estas acusações?
As acusações são absolutamente improcedentes. Ao longo dos meus 28 anos de vida pública, alguns tentam quebrar o meu moral. Não conseguiram até hoje e não conseguirão. Não há nenhuma conexão entre o que se acusa e a realidade dos fatos. Essas cogitações são totalmente improcedentes. E tão improcedentes que a Procuradoria-Geral da República arquivou, em 2002, procedimento sobre as mesmas alegações porque entendeu que eram baseadas na absoluta ausência de provas.
A que o sr. atribui o ressurgimento do assunto mais de dez anos depois?
Como mera cogitação, imagino que seja em razão das eleições do ano passado. Aquele inquérito foi iniciado em 2006. Em quatro anos do inquérito, jamais se mencionou o meu nome. Repentinamente, em julho de 2010, quando estava em curso a eleição e eu era candidato à vice-presidência, sou mencionado…
O governo Dilma Rousseff está completando 100 dias. Como o sr. vê este período? Acredita que houve avanços em relação ao último governo?
O balanço é extremamente positivo. Tão positivo que está retratado nas pesquisas de opinião, em que a presidente Dilma Rousseff tem índice de aprovação ímpar, mesmo em comparação com outros governos. Este é um governo de continuidade, mas há uma presença muito significativa da presidente Dilma nos mais variados assuntos. A presidente impôs sua personalidade inclusive em assuntos internacionais, ganhando o aplauso da sociedade brasileira e da opinião pública, de um modo geral. Este governo já tem cara própria.
A economia tem preocupado mais do que o esperado?
A economia sempre preocupa. Mas a presidente tem deixado claro que não permitirá o retorno da inflação. Nas reuniões de coordenação de que tenho participado, vejo a presidente acionando os mais variados setores que cuidam da economia do País para impedir inflação de preços.
Tem sido difícil conciliar a tarefa de vice-presidente com a posição de presidente licenciado do PMDB? Como o sr. fica quando há pressões para ocupar cargos no governo, por exemplo?
Quando há um problema de natureza política, nós agimos muito em conjunto – eu, o ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, e o da Casa Civil, Antônio Palocci –, com a presidente Dilma Rousseff coordenando tudo. Agora, sobre essa questão dos cargos, o PMDB entende que não é um simples aliado. É governo. E a presidente sempre se recorda desse fato também. Na questão do salário mínimo, por exemplo, em que nós votamos unidos, eu e o líder Henrique Alves dissemos que o PMDB tem o vice-presidente da República e não dá para votar fatiadamente. O PMDB só tem projeção e respeitabilidade política se agir unificadamente. E foi isso o que aconteceu.
Com esses recados que tem dado nas votações importantes, o PMDB passou a ter mais autoridade para negociar cargos do segundo escalão?
As questões relativas à participação do PMDB no governo não precisam de recado algum. Como o PMDB está no governo, é natural que no preenchimento dos cargos de segundo escalão o governo chame quem é governo para governar. Não existe cobrança de fatura. O problema é que as pessoas não acreditam nisso.
O PMDB perdeu espaço no governo?
Numericamente não perdeu. Pode ter perdido em substância política nos ministérios. O PMDB tem o mesmo número de ministérios e tem o vice-presidente.
Mas há um acordo para se compensar essa perda de substância, agora, na composição do segundo escalão?
Vai depender da forma como o governo vai encaminhar. É provável que se prestigie o PMDB.
Essa pecha de fisiológico que pesa nos ombros do PMDB é justa?
É injusta, porque o PMDB participou das eleições, foi parceiro e ganhou as eleições com o PT. O PMDB não é fisiológico, é governo. Mas a pecha pegou no PMDB e nós temos que lidar com isso. Deputados e senadores estão preocupados com as questões temáticas, exatamente para impedir essa alcunha.
Como tem sido sua relação com a presidente Dilma?
Muito tranquila. A relação é extraordinária no plano da presidência e vice-presidência. No plano pessoal, muito adequada e correta. A presidente tem me entregado tarefas e pedido para coordenar determinados grupos. Também me pede sugestões. Enfim, aqui a gente depende muito do que a presidente deseja.
Se a relação vai bem, então a presidente nunca chamou o sr. de “santinho”, como ela costuma chamar a quem está repreendendo?
Não, não. Nem a mim nem a ninguém, que eu tenha visto. Aliás, eu não vi essa coisa de que falam, que ela é autoritária e centralizadora. É claro que uma coisa é você ser executiva. Ela, como executiva, talvez fosse durona. E talvez demandasse a execução com uma certa dureza. Mas desde que assumiu a veste de candidata, ela passou a adotar outro perfil. E agora, evidentemente, sabe que o cargo de presidente exige outro comportamento, que não é o de ministra da Casa Civil. Nas reuniões de que eu tenho participado, ela tem ouvido muito, antes de tomar o caminho que considera adequado. Aliás, ao contrário do que falavam, ela tem muita sensibilidade política.
Como é a experiência de assumir a Presidência, com as viagens da presidente Dilma?
Não muda nada. Continuo a minha rotina na vice-presidência.
A morte do ex-vice José Alencar comoveu o País. Como era sua relação com ele e qual legado o sr. acha que ele deixa para o Brasil?
Era uma relação fraterna. Ao longo do tempo, ele sempre me prestigiou muito. Quando fui eleito presidente do PMDB pela primeira vez, tive a honra e a alegria de vê-lo me apoiando. Depois, por outras razões, ele teve que abandonar o partido. Quando se transformou em vice-presidente da República, estive inúmeras vezes com ele para ouvir seus conselhos. Ele deixa o legado da persistência, da alegria de viver. E, convenhamos, o exemplo de, ao expor a sua doença, diminuir o pavor que a simples menção de seu nome feio provocava nas pessoas.
Com o sr. neste cargo há a retomada de uma tradição da política brasileira, que é ter um vice-presidente representando um partido forte. Isso é importante para o desempenho da função?
Acho que politicamente sou útil para o País com minha história parlamentar. Pode pegar minha agenda e vai ver o número de parlamentares que passaram por aqui até agora. Recebi gente de todas as agremiações políticas. Isso ajuda e compõe bem a vice-presidência com a Presidência.
É possível aprovar uma reforma política este ano?
Acho que ela já amadureceu. A reforma política não foi feita no passado por causa de uma inação do Legislativo, que não a fez porque quis manter o que existe hoje. Agora eu acredito que há vontade política.
O chamado distritão, que o sr. defende, não pode fragilizar os partidos?
No passado, fui favorável ao voto em lista, sob o fundamento de que fortalece os partidos. Mas isso não passa na Câmara nem no Senado. A história do caciquismo local impede a ideia da lista. Para mim, por exemplo, por um longo tempo a lista seria totalmente confortável. Certamente, eu ocuparia o primeiro ou o segundo lugar na lista. Mas senti que não seria possível transitá-lo. Não sendo possível, o que a minha experiência detectou no Congresso Nacional? Que o voto proporcional acaba violando a regra criadora do Estado. A regra que diz quem é o dono do poder. Democracia é o governo da maioria, não é? Respeitando o direito da minoria.
No Legislativo não acontece isso?
Na única hipótese em que a minoria pode governar, e governa, é na hipótese do voto proporcional. Deste sistema nasce o coeficiente eleitoral, em que o número de votos obtido pela legenda leva a tantos deputados. Daí surgem distorções. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a Luciana Genro recebeu 128 mil votos, mas não foi eleita. No famoso caso do Enéas, ele puxou um deputado que teve apenas 275 votos. O Chico Alencar, na última eleição, carregou o ex-BBB Jean Wyllys, que teve 13 mil votos.
O PMDB ainda sonha em ocupar a Presidência da República?
Todo partido almeja chegar ao cargo máximo. Mas o PMDB tem sido participante muito ativo dos governos. No governo anterior, tivemos um protagonismo administrativo bastante acentuado e neste governo ocupamos a vice-presidência da República. O PMDB está cumprindo seu papel. Se vai ter candidato à Presidência ou não, é uma coisa lá para a frente.
Marcela Temer, sua mulher, foi foco de muita atenção na posse e tem merecido destaque na imprensa. Isso incomodou vocês?
A Marcela se assustou com a notoriedade muito grande, mas foi uma coisa passageira, sem muita preocupação. Ela está cuidando do meu filho. Sempre fui muito discreto, estou casado há oito anos e nunca fiz nenhum exibicionismo. Não é do temperamento dela nem do meu. Mas no dia da posse a presença de Marcela era inevitável.