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Em seus desenhos, Mira Schendell enveredava por caminhos abertos pela poesia visual de Haroldo de Campos. Léon Ferrari tinha em mente e em consideração os poemas de Rafael Alberti. Ambos, Mira e Ferrari, tinham a escrita como matéria-prima, mas tratavam o texto como se fosse pura imagem. Quem observa essa similaridade na obra da artista brasileira e do artista argentino é o curador Luis Pérez-Oramas, do MoMA de Nova York, que promove um encontro entre os dois grandes artistas na exposição Tangled alphabets, em cartaz no museu nova-iorquino.

Apesar de ter nascido na Suíça, em 1919, Mira Schendell é tida como artista brasileira porque efetivamente começou a produzir quadros e objetos quando se mudou para cá, em 1949. A artista participou da primeira Bienal de São Paulo, em 1951, adotou o Brasil como país e tornou-se uma referência para a cena artística local depois de 1965. Hoje, está entre as artistas brasileiras mais valorizadas no mercado de arte internacional. No MoMA, está reunida uma obra que parte de naturezas-mortas e chega a pinturas de grande porte, do final dos anos 1980, quando a artista falece no Brasil.

Todas as fases têm como fio condutor o uso gráfico da palavra e a paixão pela semiótica. Léon Ferrari, que hoje, aos 89 anos, continua sendo um dos artistas mais produtivos da América Latina, é frequentemente lembrado pelo barulho que fazem suas obras de crítica política e religiosa. Como Mira, ele também cresceu e amadureceu no ápice do conceitualismo, do tropicalismo, do experimentalismo e do "popismo" dos anos 1960.

Há um pouco de tudo isso na agressividade de suas colagens, pinturas e esculturas, em que aproxima imagens de sexo, guerra e religião. O que a exposição acentua, de maneira muito astuta, é o interesse que esse artista portenho (nascido em Buenos Aires) também demonstrou, por bastante tempo, pelo poder da palavra. Isso é expresso em trabalhos, como na obra sem título de 1983. Do conceitualismo, Ferrari se aproximaria entre 1976 e 1991, quando viveu em São Paulo, como exilado político.

A iniciativa de enfatizar as afinidades entre os dois conjuntos de trabalhos é inédita e positiva. É uma forma saudável de unir a produção de dois artistas que foram contemporâneos, não tinham relação direta, mas são igualmente fundamentais para o entendimento da realidade artística latino-americana.

SAIBA MAIS

               

A mulher atrás das letras

                             

                 i111201.jpgApesar da valorização e do reconhecimento um embasamento teórico para localizar devidamente a artista na história da arte mundial. Mas o crítico Geraldo Souza Dias consegue, com este livro, ir além e aproximar o leitor da artista, tornando acessíveis os conceitos que influenciaram seu trabalho. A obra de Mira é descrita de um prisma pessoal, com a inserção de trechos de cartas e de diários, humanizando seus estudos estéticos e questionamentos filosóficos.

O leitor sente-se seu cúmplice e testemunha. Isto acontece porque, mais que analisar a obra ou escrever uma biografia, Souza Dias consegue demonstrar a personalidade da mulher Mira, seus questionamentos enquanto ser humano, sem retirar o foco de sua produção artística. Aparecem no livro sua família – em parte judaica, em parte católica -, sua infância, sua requintada formação intelectual na Itália, sua amizade com intelectuais, poetas e filósofos no Brasil – como Vilém Flusser -, sua constante busca por "reconhecimento filosófico e acolhimento", seu interesse pela semiótica, teologia e mitologia, sua forte ligação com a religião católica e com o poder dos signos e símbolos. Com 200 reproduções, o livro elucida como todo esse contexto se traduzia em obras.

Fernanda Assef

ROTEIROS

O artista britânico e seu museu do absurdo

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Um ser marítimo fantástico, metade peixe, metade lula, é pousado sobre uma escrivaninha antiga, modelo vitoriano. Uma caveira, apoiada sobre livros e frascos, mimetiza-se ao criado-mudo. A obra do artista britânico Neil Hamon é um museu de objetos híbridos e fictícios. Hamon, que já havia exposto fotografias no Brasil, agora tem na Galeria Leme sua primeira individual no País. Em My heart struck sweet sorrow, algo como "meu coração assolado com doce pesar", ele continua seus execícios taxidermistas e elege como tema a morte e a ressurreição.

 

Contribui para a fantasia de Hamon o fato de o espaço expositivo da Galeria Leme ter uma estrutura que se assemelha à nave central de uma igreja, com pé-direito de nove metros de altura. O caráter solene da arquitetura dá às esculturas de madeira em exposição a aparência de entalhes religiosos. Como, por exemplo, a escultura The ressurection (A ressureição), um estranho corpo de Jesus Cristo, que parece saído de um laboratório de medicina