Editorial

Poder em xeque

O Congresso brasileiro está perdendo o seu poder de legislar. Aos poucos, quase sorrateiramente, o Executivo foi assumindo também esse papel, tamanha a montanha de medidas provisórias lançadas, que abarrotaram a casa do Parlamento e inviabilizaram votações rotineiras de projetos de deputados e senadores. À mercê da grande popularidade do presidente, sem força para rea gir a suas determinações e com uma oposição praticamente anulada e temente, o Congresso ainda enfrenta a concorrência de outro poder da República: o Judiciário. Não é de hoje que questões tradicionalmente votadas no plenário do Parlamento são alvo de decisão do Judiciário. Foi assim com o julgamento sobre nepotismo e fi delidade partidária. Esse último assunto, em particular, é especialmente caro aos políticos. Os chamados infi éis, a princípio, deveriam ter o seu mandato cassado, segundo orientação do Supremo Tribunal Federal. Há poucos dias, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, resolveu contrariar a orientação e resistiu à cassação de um deputado infi el. O confronto de poderes subiu um degrau a mais quando, na quarta-feira passada, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, devolveu uma medida provisória do Executivo que tratava de entidades fi lantrópicas e desafi ou o governo. O senador queixou-se do abuso na edição de medidas provisórias. Neste pormenor, não deixa de ter razão. Apenas neste ano, das 100 matérias aprovadas naquele Parlamento, 49 delas eram MPs e outras 17 também foram de iniciativa do Poder Executivo, como as emendas constitucionais e os projetos de lei complementar. Na prática, quase 70% do que saiu aprovado do Congresso foram propostas vindas das hostes do governo. Ensaia-se, com a desobediência de Chinaglia e Garibaldi Alves, um movimento de reação ao eventual "sufocamento" praticado pelos demais poderes. Mas para os cidadãos que assistem à guerra entre Executivo, Legislativo e Judiciário esse é o pior dos mundos. Se as autoridades que têm a missão do comando não se entendem, como poderão fazer uma condução adequada do País?

Carlos José Marques, diretor editorial