São são poucos os dirigentes, atletas e especialistas que acham que organizar Olimpíadas, Copa do Mundo ou qualquer outra competição internacional de grande porte deveria ser trabalho exclusivo de país rico e sem problema estrutural. Uma brincadeira comum entre os jornalistas nos Jogos de Sydney, em 2000, diante do show de eficiência demostrado, era propor que, a partir dali, todos os Jogos Olímpicos fossem realizados na Austrália e todas as Copas do Mundo, na França. Radicalismos à parte, é saudável ver países em desenvolvimento se beneficiando dessas festas, mas o festival de trapalhadas ocorridas nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, na República Dominicana, deu alimento poderoso aos defensores da tese elitista. Uma inacreditável avalanche de erros atrasou premiações, permitiu a entrada de espectadores nas áreas de disputa, provocou tumultos, inverteu e sonegou a execução de hinos nacionais e criou pontos inexistentes, apenas para citar os rolos mais comuns.

A República Dominicana é um país lindo e pobre do Caribe, com praias cor de esmeralda e 8,5 milhões de habitantes. O governo quase desistiu do Pan, mas depois investiu US$ 174 milhões para receber 7,5 mil atletas de 42 países. Seria razoável perdoar falhas geradas pelo limite de capacidade de investimento. Mas não foi esse o caso. O mico dominicano foi construído mesmo por descuido e falta de rigor. E o Brasil foi uma das maiores vítimas. Ainda assim, bateu o recorde de 101 medalhas do último Pan, em Winnipeg, no Canadá, e só por um desastre perderá o terceiro lugar da tabela, atrás do líder Estados Unidos e de Cuba. O primeiro golpe veio logo na cerimônia de abertura. A bandeira brasileira entregue ao levantador Maurício estava irreconhecível. Tinha suas linhas e desenhos desfigurados. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) fez um protesto formal e recebeu pedido de desculpas do presidente do país, Hipolito Mejía. Outra falha grotesca pode ter tirado o ouro do basquete feminino, que acabou levando o bronze. Na semifinal, o Brasil vencia os Estados Unidos por 14 a 9 quando uma americana fez dois pontos em lances livres. 14 a 11. Reiniciado o jogo, o placar, de forma surreal, registrou mais um ponto para os Estados Unidos enquanto a armadora brasileira quicava a bola e caminhava em direção ao lado americano. O Brasil protestou, mas a mesa de anotações manteve o ponto. O jogo terminou empatado em 62 a 62 e, na prorrogação, as americanas venceram por 75 a 69.

Os hinos produziram um capítulo igualmente desafinado. O basquete masculino brasileiro, medalha de ouro, cantou à capela, pois os organizadores não levaram a gravação para a cerimônia. Escaldado, o chefe da delegação, Marcus Vinicius Freire, passou a levar um CD com o hino nas premiações seguintes. Salvou do constrangimento o handebol masculino e o nadador Rogério Romero. No jogo de futebol masculino entre Brasil e Colômbia, a turma, com pressa, lascou o hino brasileiro com a seleção ainda no vestiário. Não satisfeita, sapecou mais duas vezes nossa música pátria pedindo atenção aos colombianos para “escutar seu hino nacional”. E tome vaia. Na tarde de quinta-feira 14, foi a vez do Santo do Mico saltitar lépido e fagueiro nos ombros dos nadadores Fernando “Xuxa” Scherer, Gustavo Borges, Jader Souza e Carlos Jayme. Depois de alguns segundos de execução, o hino foi subitamente trocado por outra música.

Houve ainda panes em placares, tempos extras no futebol anunciados no papel sulfite e até a surpreendente batida em retirada do coronel responsável pela segurança da final em que o Brasil venceu os donos da casa por 89 a 62 e conquistou o ouro. Assustado com o ginásio superlotado e o público que se espremia à beira da quadra, o coronel simplesmente puxou o carro e foi para casa. Outra cena curiosa foi a da piscina on the rocks. Como a temperatura da água insistia em ficar entre 30 e 31 graus – o regulamento permite no máximo 27 –, a turma despejou torrões de gelo nas raias. O problema é que as pedras derretiam e tudo voltava ao normal. “Deveriam ter colocado o gelo na passagem do filtro, por fora dos canos, como numa serpentina”, ensinou o chefe da equipe brasileira de natação, Coaracy Nunes. “As instalações dos ginásios, a vila olímpica e a comida são muito boas. Faltaram estratégia, coordenação e, sobretudo, humildade para recorrer a assessoria internacional”, resume o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. “No caso do hino e das bandeiras, por exemplo, a regra é pedir, antes da competição, um modelo a cada país competidor”, completa. O próximo Pan, como se sabe, será no Rio de Janeiro, em 2007. Nuzman e seu time trarão na bagagem mais de 20 relatórios sobre o Santo do Mico. Querem usar a experiência para anular as chances de termos, por aqui, um Rio do Mico.