O Brasil tem experimentado, ao longo dos últimos anos, mudanças sem precedentes. Passamos de uma economia à beira da hiperinflação para uma economia estável; dos sonhos de auto-suficiência a uma economia aberta para o mundo, capaz de competir e de ocupar o espaço que lhe corresponde; de um Estado empresário para um Estado regulador; de um Estado estruturalmente desajustado para um Estado mais equilibrado; enfim, de um Estado indutor de desigualdades para um Estado nivelador de oportunidades.

Todas essas mudanças concorrem para tornar mais justa a sociedade brasileira.

O fim do “imposto inflacionário” e o aumento do salário real incorporaram ao mercado de consumo milhões de brasileiros. A proporção de pobres na população, que era de 42%, entre 1990 e 1994, caiu para 33% entre 1995 e 2000. Os efeitos sociais positivos da estabilização se mantêm, mesmo depois dos abalos sofridos pela economia brasileira com as várias crises financeiras externas.

Com a abertura da economia, o comércio exterior aumentou de US$ 50 bilhões, no fim dos anos 80, para mais de US$ 100 bilhões a partir de 1998. As importações cresceram, o que foi essencial para os ganhos de eficiência produtiva, sem que tivessem resultado em ameaça real à estrutura industrial. Empreendemos, agora, um grande esforço para dar maior dinamismo às exportações, e há vários sinais promissores, apesar da conjuntura de desaceleração da economia mundial.

Continuaremos a avançar no grande projeto da integração, em particular no âmbito do Mercosul, que, apesar dos problemas, é hoje uma das maiores conquistas da diplomacia brasileira. Os acontecimentos recentes na Argentina, longe de desviar-nos desse objetivo, ressaltam sua importância e a necessidade de darmos continuidade, na democracia, ao projeto de reforma e modernização de nossas economias.

A abertura, no Brasil, dos setores de infra-estrutura ao capital privado foi essencial para a consolidação das bases internas do crescimento e da projeção do nosso país no Exterior. A telefonia é um bom exemplo do papel da iniciativa privada na universalização dos serviços públicos. O número de aparelhos celulares saltou de 1,4 milhão em 1995 para mais de 20 milhões este ano. Ao mesmo tempo, a criação das agências reguladoras abriu para o consumidor novos canais independentes para suas demandas e reclamações.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, que fixou limites e regras para as finanças públicas, é um divisor de águas em nossa história. É o reflexo de uma nova mentalidade. Uma mentalidade que não existe por acaso, mas porque é uma exigência da população brasileira, que já cansou da demagogia, dos gastos irresponsáveis, dos políticos que prometem tudo e, depois, ou não cumprem ou cumprem com despesas que geram inflação e desorganização da economia.

Estamos colocando o Estado brasileiro – que durante tanto tempo foi um instrumento de perpetuação da injustiça, um verdadeiro “Estado do mal-estar social” – a serviço da melhora das condições de vida dos mais necessitados. Este é o grande desafio da democracia no Brasil.

A seriedade no manejo macroeconômico é indispensável para responder a esse desafio. Mas não é suficiente. Por isso, temos empreendido esforços e aplicado recursos vultosos na promoção de políticas sociais que são inadiáveis e que se impõem como um dever de justiça.

De 1995 a 1999, o gasto social real do governo por habitante foi, em média, de R$ 795. No período de 1985 a 1989, a média tinha sido de R$ 656. Em 1993-1994, o valor médio foi de R$ 622.

No entanto, embora o volume de recursos seja importante, ele não revela tudo. O essencial é que os recursos estão sendo empregados de forma mais justa, com a preocupação de atender prioritariamente os mais pobres e gerar condições efetivas para maior igualdade de oportunidades, para geração de emprego e renda, para o aprimoramento dos serviços sociais básicos, como a saúde e a educação.

Implementamos o maior programa de reforma agrária contemporâneo. Mais de 540 mil famílias de trabalhadores sem terra foram assentadas, e criaram-se ações complementares para integrá-las ao desenvolvimento local.

Quando assumi a Presidência da República, em 1995, elegi a educação e, particularmente, o ensino fundamental, como uma de minhas prioridades mais altas. Com o apoio do Congresso, criamos o Fundef, que reorganizou todo o sistema de financiamento do ensino fundamental, corrigindo as distorções existentes entre as verbas disponíveis e o número de alunos matriculados nas escolas. O desafio de melhorar a qualidade do ensino começou a ser enfrentado. Graças a essas e outras medidas, temos hoje 97% das crianças de sete a 14 anos matriculadas na escola, o que significa que o objetivo da universalização do ensino fundamental está hoje ao nosso alcance. É preciso lembrar que em 1990 – há apenas 11 anos – 20% das crianças brasileiras nessa faixa etária não iam à escola.

Na área da saúde, consolidamos a descentralização, ampliamos o controle social, combatemos as fraudes e definimos fontes estáveis de financiamento para as ações de saúde. Intensificamos de forma inédita os programas de agentes comunitários de saúde e de equipes de saúde da família. Hoje, já são cerca de 160 mil agentes, que atendem 91 milhões de pessoas, e 13 mil equipes médicas, beneficiando 70 milhões de pessoas. Ganhou impulso o combate à falsificação de medicamentos, a regulamentação dos planos de saúde, a produção e comercialização de medicamentos genéricos.

Os recursos aplicados em saúde cresceram muito nos últimos anos. Os resultados estão aí para quem quer ver: a redução substancial da mortalidade infantil – que ainda é alta, e precisa continuar a reduzir-se – e um programa de prevenção e atendimento da Aids reconhecido como modelo pela Organização Mundial da Saúde e pela opinião pública internacional, para citar apenas duas das conquistas importantes que tivemos na área de saúde.

Além dessas medidas, o governo federal colocou em marcha um conjunto de programas de transferência direta de renda para enfrentar situações de necessidade e combater a exclusão.

É o que ocorre na Previdência Rural, graças à qual cinco milhões de trabalhadores rurais recebem aposentadoria ou pensão do programa, mesmo que nunca tenham contribuído para o sistema previdenciário. Ou no programa Bolsa-Escola, que já cadastrou 4,8 milhões de famílias e 8,2 milhões de crianças e que no ano que vem atenderá mais de dez milhões de crianças com recursos de R$ 2 bilhões. Ou ainda no Bolsa-Alimentação, que transfere renda a gestantes e crianças de zero a seis anos em risco nutricional, e que, quando plenamente implantado, atenderá mais de três milhões de pessoas, com recursos de R$ 500 milhões.

Sempre que posso, menciono esses esforços do governo, que são decisivos para melhorar a vida de muitos de nossos compatriotas e que precisam ser conhecidos por todos, para que se saiba que o Brasil está criando hoje uma verdadeira “rede de proteção social”. Essa rede, que representa uma conquista tão importante quanto foi o Real, evidencia que o Brasil persiste no rumo da justiça e da solidariedade.

Justiça e solidariedade, como no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que retira crianças entre sete e 14 anos de atividades degradantes e de risco, principalmente em pedreiras, garimpos, canaviais e carvoarias. As famílias recebem um auxílio mensal em dinheiro, mediante o compromisso de que os filhos abandonarão o trabalho e passarão a frequentar, regularmente, a escola. Mais de 500 mil crianças já foram amparadas por este programa da Secretaria de Estado de Assistência Social.

Justiça e solidariedade, ainda, como no programa que põe em prática os benefícios consagrados na Lei Orgânica da Assistência Social, que garante que idosos e pessoas pobres portadoras de deficiência recebam uma renda mensal equivalente a um salário mínimo para cobrir gastos com suas necessidades básicas.

E poderia mencionar outras ações igualmente importantes para essa rede de proteção social, como o seguro-desemprego e o abono salarial. O trabalhador desempregado recebe assistência financeira durante cinco meses, graças aos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Já os mais de cinco milhões de assalariados que ganham menos de dois salários mínimos têm direito a um abono anual, no valor de um salário mínimo.

Ao todo, apenas os programas federais de transferência direta de renda movimentam mais de R$ 20 bilhões por ano. Esse montante equivale, grosso modo, ao que o governo arrecada com o imposto de renda da pessoa física. Isso significa redistribuição de renda. É uma forma justa e necessária de utilizar os recursos públicos.

A grandeza que aspiramos para o Brasil do século XXI será, sobretudo, a grandeza que vem da justiça. Buscamos a modernização econômica, sim. Seríamos tolos se não o fizéssemos, se não nos abríssemos para uma inserção inteligente e racional na economia globalizada. Mas não a buscamos como um fim em si mesmo. O que ela torna possível é um padrão de crescimento econômico sustentado e um processo seguro, enraizado em instituições democráticas sólidas, de transformações sociais voltadas para o desenvolvimento.

Graças à experiência de um governo comprometido com a mudança, existe hoje um Brasil que está dando certo.