O nome é Bill. Só Bill, assim mesmo sem sobrenome. É ele o pai da idéia do flashmob – ou, numa tradução livre: “turba instantânea”. Trata-se de um movimento absolutamente sem fundamento, cuja única aspiração é a reunião de multidões para atos aleatórios em locais públicos. Por exemplo: no último dia 13, em São Paulo, um grupo de 100 pessoas aguardou o sinal do cruzamento da Paulista com a Augusta ficar verde e o relógio marcar 12h40 para atravessar a avenida, tirar um dos sapatos e batê-lo contra o solo. Em seguida debandaram, deixando boquiabertos pedestres e policiais. Como se vê, são rebeldes sem causa, ao pé da letra. Mas há, com certeza, método nesse caos. A malta é devota da tecnologia, ligada via e-mail, web sites e telefones celulares. Por meio dessas mídias é feita a convocação geral. E como a internet é globalizada, a moda dos flashmobs se espalhou pelo mundo. Surgiu em Nova York e pulou com a velocidade de virus cibernético para Londres, Berlim, Tóquio, Paris, Roma, e até São Paulo. Ninguém sabe a razão do sucesso – nem mesmo o nova-iorquino Bill, que já demonstrou total despropósito para sua criação.

Na verdade, Bill é alguém que se autodefine como trabalhador da “indústria cultural” e, como seus seguidores, tem muito tempo livre. “Eu gosto de ver multidões, elas não têm cabeça e são espontâneas”, disse o messias do movimento a uma de suas seguidoras, Merilyn Synder, 23, que participou de uma das intervenções. No início de agosto, 250 pessoas invadiram a loja de brinquedos Toys R Us, na Union Square de Manhattan, e por 23 segundos rosnaram para um Tiranossauro Rex que decora o salão. Como das outras vezes, saíram depressa e sem explicações.

Coincidentemente, o idealizador da ação na avenida Paulista é, a exemplo de Bill, um trabalhador da “indústria cultural”. O artista plástico gaúcho Eli Golande, 30 anos, integra, ao lado de um espanhol, de um mexicano e de um caboverdiano, o Grupo Arac (Arte Contemporânea). Eles utilizam a internet como meio de divulgação de suas manifestações artísticas. E também, claro, para organizar agrupamentos relâmpagos sem nenhum objetivo. “Acredito em ações despolitizadas e sem nenhum propósito. A futilidade me interessa. É um reflexo do ser humano que necessita ser analisado”, diz. Para o psicólogo Erik Itakura, da PUC de São Paulo, tais manifestações refletem o desejo de ser ouvido. E, no coletivo, isso é possível. “Alguns participantes deram entrevistas e quiseram aparecer, então é uma maneira de ser notado. Mas o inesperado também atrai, já que nem sempre o grupo sabe o que vai fazer. É um divertimento que só tem sentido naquele momento”, diz Itakura.

Animado, o organizador Eli deseja realizar mais três flashmobs para serem utilizados como laboratório de pesquisa tecnológica e comportamental. “É o primeiro evento feito em um país à margem do sistema de informação tecnológica mundial. O Brasil precisa compreender esse fenômeno”, afirma Eli. O artista admite estar feliz com a repercussão e confessa não temer acusações de que aproveitou o movimento para chamar a atenção para sua carreira, ainda incipiente. “Confesso que fiquei com o ego inflado. Mas não quis chamar a atenção para a minha obra. Se acontecer, é consequência”. Quem quiser saber como e onde serão os próximos é só acessar www.flashmob.hpg.com.br.

A ação nem bem nasceu e já tem a sua paternidade questionada. Um grupo auto-intitulado Os neutros garante ter tido a iniciativa de lançá-lo no Brasil. Apesar de “passado para trás”, o web-designer Murilo da Silva Cardoso, 23, um dos integrantes, diz não guardar mágoas. A única preocupação é realizar seu primeiro flashmob, programado para o domingo 17, em São Paulo. “O legal é estar na contramão de tudo. É juntar um grupo para dar risada e se divertir”. Murilo só pretende comunicar o local, a hora e o formato da ação poucas horas antes de ela acontecer. Até a quinta 14, mais de 900 pessoas acessaram o endereço www.br.groups.yahoo.com/group/brasilflashmob dando idéias para o ato. “Um queria uma troca de roupa coletiva na Paulista. Sem devolução. Outro sugeriu que jogássemos brinquedos no quintal da Marta Suplicy. Isso não dá para fazer”, alegou Murilo.

Mas não é tão fácil quanto parece ganhar as fileiras desta turba. “Em Nova York, ninguém pode se afiliar. É preciso receber convite via e-mail ou celular. Algum amigo que participa do flashmob convida outro, dando informações para um local de encontro, onde serão distribuídas instruções sobre as atividades”, diz a seguidora Merylin Synder. Em outras partes do planeta, porém, a convocação é menos misteriosa. Em São Francisco, por exemplo, criou-se um site (www.robzazueta.com) no qual as pessoas se inscrevem para receber detalhes sobre futuras intervenções da multidão.

Mas Bill continua mantendo sua massa de manobra de modo inconspícuo. “A inspiração para estas ações veio do livro Smart mob: the next social revolution, escrito em 2000 por Howard Rheingold”, explica Aaron Schnaber, colaborador da revista eletrônica Slate, e que tem algum contato com o misterioso Bill. “Neste livro, Rheingold fala da associação entre pessoas nesta era de comunicação eletrônica globalizada. Há uma teoria de que está criada uma malta internacional consciente e esperta, por meio da tecnologia.” Pode ser que isso ocorra mesmo num futuro, mas, por enquanto, o flashmob é apenas uma nova moda abraçada por quem só quer um pouco mais de humor abstrato em sua vida.