Assim que soou o apito final da reforma da Previdência, o líder do PMDB na Câmara, Eunício Oliveira (CE), reuniu seu time para conferir o placar. Foram 48 votos – 70% da bancada –, decisivos para carimbar a proposta do Planalto. “Nós valemos mais que o PPS, o PCdoB e o PDT somados. Agora, se não houver contrapartida, eu não seguro mais”, desabafou, referindo-se à alta dissidência do trio de partidos governistas e sinalizando para o segundo tempo das votações – a reforma tributária. Mais do que cobrar espaço no governo, o PMDB decidiu ampliar os pleitos no momento em que o Planalto enfrenta uma votação de vida ou morte: a eternização da CPMF e a desvinculação de recursos orçamentários.

No jogo da pressão, o partido aumentou o apetite. Quer três ministérios: dois para o Senado e um para Câmara. “Nós tínhamos quatro quando eram apenas 16 ministérios, depois ocupamos três no governo FHC, que tinha 18 ministérios. Agora, com o Executivo trabalhando com 35 ministros, é natural que tenhamos no mínimo três pastas. Se é para entrar no governo, tem que ser agora”, analisa um cacique do PMDB. A insatisfação na base do partido com o desgaste político da Previdência fez os líderes acelerarem o calendário. Os rumores de rebeldia bateram no Palácio. O ministro José Dirceu ligou para os líderes do PMDB na quarta-feira 13, para evitar a crise. “Vamos retomar as negociações. Agora é uma decisão do presidente Lula”, relatou Eunício a um companheiro. Na Esplanada, o PMDB está de olho nas pastas da Integração Nacional, Comunicações, Minas e Energia, Cidades, Educação, Transportes e Saúde. Uma equação que ganhou força no final da semana coloca o próprio Eunício como o preferido de Lula para a Integração Nacional, cedendo as Comunicações para um senador indicado pelo líder Renan Calheiros (AL). Miro Teixeira seria improvisado na Ciência e Tecnologia, deixando de lado seu partido, o rebelde PDT, e filiando-se ao PSB assim que o ex-governador Anthony Garotinho vestir a camisa do PMDB.

O estilo do técnico Lula faz escola. As metáforas futebolísticas contagiaram seus assessores. Eles recorrem a parábolas para transmitir a avaliação que o presidente faz do desempenho dos ministros – um plantel eclético que vem na maioria das divisões de base do PT, mas também conta com estrelas do PSB, PPS, PDT, PCdoB e PTB. O time de Lula estaria dividido em três categorias: os “profissionais”, os “amadores” e os “aspirantes”, que têm chances de mostrar jogo até a reforma ministerial. “Tem gente que precisa conhecer melhor a máquina administrativa”, constata o líder do PT no Senado, Tião Viana (AC).

Bola cheia – Os craques, como o presidente avalia à meia-voz, são os ministros Antônio Palocci (Fazenda), José Dirceu (Casa Civil), Ciro Gomes (Integração Nacional), Celso Amorim (Relações Exteriores) Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), José Viegas (Defesa), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação), Dilma Roussef (Minas e Energia), Luiz Dulci (Secretaria Geral), Gilberto Gil (Cultura), Guido Mantega (Planejamento) e Roberto Rodrigues (Agricultura). “Tenho tido menos problemas com os ministros que não são do PT”, costuma dizer Lula em suas preleções internas. Palocci é uma unanimidade, Ciro Gomes também. “Ele nunca criou problemas”, elogiou Lula a mais de um interlocutor. Por isso crescem as informações de que Ciro seria deslocado para uma pasta com mais musculatura, abrindo a porta para o PMDB indicar o novo ministro da Integração Nacional.

Entre os cartolas petistas é praticamente certo que o superministro José Dirceu desinche suas atribuições. Ele cuida hoje da coordenação política do governo com o Congresso e também da burocracia da Casa Civil, por onde passa a nomeação de aliados para cargos federais. “O próprio Dirceu sabe que está com sobrecarga. Tem relação tensa com a imprensa e com deputados. É comum vermos fotos dele nos jornais com semblante carregado”, lembra um amigo do ministro. Um complicador neste quadro é a tensa relação que existe, hoje, entre a Casa Civil e o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (SP). “O Planalto depende de uma perfeita sintonia com a presidência da Câmara dos Deputados. Isso não pode continuar assim”, alerta um deputado petista que faz a ponte entre o Planalto e o Congresso.
 

Livre ainda da mesma tensão, a Esplanada dos Ministérios já está sob avaliação. Na planilha do governo, um bom ministro deve aliar três virtudes para garantir vaga de titular absoluto: afinidade ideológica com o PT, controle da máquina e capacidade gerencial para tocar a pasta. Deste ponto de vista, tem pouca gente intocável no time de Lula. “O Cristovam (Buarque, da Educação) conhece o ministério, tem identidade com o partido, mas não é um bom gestor”, diz um assessor de Lula. Ao lado dele estão nomes como Olívio Dutra (Ministério das Cidades), Tarso Genro (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), Jacques Wagner (Trabalho), Marina Silva (Meio Ambiente), Walfrido Mares Guia (Turismo), Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Agnelo Queiroz (Esportes). Esse grupo é chamado nas conversas internas de “aspirantes”.

Os estrategistas do PT são unânimes na avaliação dos piores em campo, no qual cinco ministros são sempre citados: Benedita da Silva (Ação Social), Miguel Rosseto (Reforma Agrária), Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia), Anderson Adauto (Transportes) e José Grazziano (Fome Zero) – na página 7 o ministro Grazziano explica o porquê desta insistência em tirá-lo do cargo. A área social, paixão do presidente, acabou tendo desempenho zero. “Há sobreposição de funções e pulverização de ações”, reconhece o líder do governo no Senado, o petista Aloizio Mercadante (SP). O governo começou a organizar o meio-de-campo da área social e promete a unificação dos cadastros e os programas de transferência de renda para os Estados, como vale-gás e bolsa-escola. “O ministério da Bené (Benedita da Silva) não tem estrutura, mas também não tem função. É preciso enxugar a máquina. Foi um erro criar cargos para acomodar aliados”, diz um dos expoentes petistas. O ministro do PL, Anderson Adauto, apesar do guarda-chuva do partido do vice José Alencar, é um dos mais criticados no bate-bola palaciano. Ele é considerado tecnicamente fraco e deve ser substituído por outro nome do PL.

Quatro patas – Ainda não se sabe quem sairá de campo, mas já
se avalia quantos poderão entrar no time ministerial. O olheiro mais atento das táticas palacianas – o PMDB – ainda está no banco de reservas e ansioso para jogar. Dias atrás, numa reunião com o PMDB
no Senado, o líder do PT recebeu um aparte bizarro do senador Mão Santa (PI): “O animal tem quatro patas. Para caminhar, tem que se apoiar nas quatro. Como o Brasil tem o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste,
o PMDB necessita de quatro ministérios.” Mercadante respondeu na
lata: “Para ficar no seu argumento quadrúpede, senador, lembro que
não importa se são duas, três ou quatro patas. O que importa é
definir quais as patas mais importantes.”

Até agora, do governo, o PMDB não levou mais do que algumas patas secundárias, como a presidência da Transpetro, uma vice-presidência de Furnas e uma diretoria do Banco do Nordeste. Além da Integração Nacional, o partido – com 67 deputados e 23 senadores considerados vitais para aprovação das reformas – quer ministérios anabolizados financeiramente. Nas primeiras conversas com o PT, pediram, em vão, as Comunicações ou as Minas e Energia. “Dessa, o presidente não abre mão. É uma pasta estratégica que derrubou FHC”, relata um petista, citando os efeitos do apagão de 2001, que mergulhou no breu a campanha de José Serra à Presidência. Os cartolas do PMDB não querem mais entrar em bola dividida e começaram a falar em outras pastas – coincidentemente as que estão mal avaliadas pelo Planalto. Agora cobiçam o Ministério das Cidades, Comunicações ou os Transportes.

Nesta terça-feira 19, em Brasília, o PMDB vai fazer mais um jogo de
cena para mostrar sua importância. Reúne uma centena de prefeitos
para reclamar o butim que cabe aos municípios na magra reforma tributária sonhada pelo ministro Palocci. O PMDB quer provar que, insatisfeito, pode causar muito estrago ao governo. “Tenho consciência do tamanho do meu partido”, diz o líder Eunício, garantindo que os ministérios do PMDB amadurecem com o início da votação da reforma tributária, que tem de estar votada até 30 de setembro. Senhores candidatos, lustrem os seus sapatos!