Não basta o cinema brasileiro ter atraído platéias expressivas em filmes da qualidade de Central do Brasil, Abril despedaçado, O invasor, Cidade de Deus ou Madame Satã. Agora, alguns diretores ambicionam bilheterias que só Xuxa e Os Trapalhões conquistaram. Foi assim com Hector Babenco e seu Carandiru – fracasso de crítica e sucesso de público –, que espertamente seduziu gente de todas as classes a partir da escolha do tema, um presídio em convulsão. Sem necessariamente ter optado por esta linha, o cineasta Guel Arraes ganhou cabeças diversas com o bem realizado, inteligente e divertido Auto da Compadecida, baseado em obra do paraibano Ariano Suassuna, originalmente desenvolvido para a televisão como minissérie e depois lançado nos cinemas. Como fez sucesso, por que não investir em algo semelhante? Ou melhor, semelhante não, igual. Lisbela e o prisioneiro – estréia nacional na sexta-feira 22 –, também baseado em peça de um nordestino, o pernambucano Osman Lins, segue rigorosamente os passos de Auto da Compadecida. Até o ator é o mesmo, o talentoso Selton Mello, que não se repete, é certo, mas deve tomar cuidado para não mais aceitar o papel de um trambiqueiro da caatinga.

Desta vez, Mello é Leléu, um malandro aventureiro e sedutor que sai com seu caminhão percorrendo cidadezinhas esquecidas no sol áspero do Nordeste brasileiro, divertindo e enganando o povo com sua galeria de tipos teatrais. Durante sua peregrinação enreda nos braços a fogosa Inaura (Virginia Cavendish), mulher do impiedoso matador Frederico Evandro, quase um alter ego do cangaceiro de Auto da Compadecida, interpretado pelo mesmo Marco Nanini. Amedrontado, o conquistador sai foragido sem saber que o assassino está no seu encalço. Chegando a outra pequena cidade, Leléu encanta-se com Lisbela – Débora Falabella em surpreendente atuação –, que está noiva do playboy Douglas (Bruno Garcia). Daí para a frente, o que se vê é uma comédia de costumes tradicionalmente filmada, repetindo situações para lá de conhecidas. Mas o jeito cordel de ser de Lisbela e o prisioneiro, acrescentado a um colorido kitsch, certamente vai agradar em cheio às classes A, B e C. É uma meta que Guel Arraes e a produtora Paula Lavigne chamam de cinema popular brasileiro. Mazzaropi e suas comédias ingênuas durante muito tempo ampliaram o espectro de suas platéias. Contudo, era uma outra época ainda não atropelada por informações meteóricas. Hoje, mesmo usando a velocidade de imagens videoclipadas, Guel Arraes corre o risco de se tornar tão repetitivo quanto a melodia dos repentistas.