Ambientalista diz que não há consciência ecológica no País. Mas o esforço para mudar esse cenário cresce na sociedade

As aulas do curso de geografia que Mario Mantovani perdeu em sua juventude, na PUC de São Paulo, lhe renderam a fama de péssimo aluno. Ele estava sempre ocupado com outras tarefas, como a de fazer mil cópias de um manifesto em favor da preservação dos rios brasileiros – ainda não tinha a dimensão de que quanto mais papel gasto, mais árvores são derrubadas. Hoje, Mantovani aprendeu a não desperdiçar e se tornou um dos principais ambientalistas do País. Aos 53 anos, é um dos articuladores da Frente Parlamentar Ambiental. O movimento levantou uma relação de 400 leis que, de alguma maneira, causam impactos negativos na natureza e também transformou a Câmara Federal na primeira do mundo a balancear as emissões de carbono. Nascido em Assis, no interior de São Paulo, é diretor da organização não governamental SOS Mata Atlântica, referência na luta pela preservação do meio ambiente. Casado e pai de Juliana – que também estuda geografia -, Mantovani é dono de um carro a álcool. Mas confessa que às vezes demora no banho.

i111169.jpg                                   i111170.jpg

ISTOÉ – Os brasileiros despertaram tarde para o meio ambiente?
Mantovani

Diria que nem começou. Quando em 1973 já acontecia a Conferência de Estocolmo, com o lema "pensar globalmente, agir localmente", aqui não existia absolutamente nada em relação ao meio ambiente. Pelo contrário. O Brasil tinha aquela posição ridícula de "se a poluição é desenvolvimento, que venha a poluição".

ISTOÉ – Quando mudou?
Mantovani

Só com a Eco-92 o País se viu dentro de um processo amplo de discussão das questões ambientais com outras nações. Finalmente o Brasil se sintonizava com o tema, devido também aos efeitos da globalização. Ainda éramos atrelados apenas a questões internacionais e econômicas quando nos relacionávamos com outros países. O Brasil pensava somente em melhorar a indústria para exportação de café e soja. Nós nos sintonizamos, mas ainda há muito que fazer.ISTOÉ – Ficamos atrasados? Mantovani – Pouco mais de uma década não é suficiente para se fazer o que é necessário. O importante é que fizemos a passagem. Mas ainda há empresários duvidando de que meio ambiente e desenvolvimento podem caminhar juntos. São os atrasados, que sempre buscaram benefícios para si e estiveram envolvidos em jogos de poder, usando clientelismos, apadrinhamentos. Essa posição é absurda. A globalização e a internet colocam a sociedade em contato com tudo o que acontece no mundo. Imagino que daqui a um tempo todo produto terá as indicações de quanto sua produção emitiu de carbono, assim como se mostram as taxas de calorias. Isso será realidade. O balanço mais prático para saber como o ser humano está usando o mundo será a emissão de carbono.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail
ISTOÉ – Então, não há conscientização no País ainda?
Mantovani

São quase experimentos. Não vejo como uma consciência. Mas o acesso a informações está despertando a atenção das pessoas.

ISTOÉ – Dê exemplos.
Mantovani

Ver imagens do fogo na mata, saber de um animal sendo morto, sentir cheiro de rios poluídos, constatar que aquela praia deserta agora está tomada por casas. Lembro de uma conversa com o deputado Clodovil Hernandes, que me procurou indignado. Ele disse: "A questão ambiental é muito séria." Eu esperava que ele falasse da luta pelo código florestal, algo nessa linha. E ele diz: "As focas! Você viu as focas sendo assassinadas?" Ele se sensibilizou com um filme. Eu nunca tinha conseguido atraí-lo para uma reunião.

Qualquer telejornal tem reportagens sobre isso, a chamada ambiental está em todos os meios de comunicação.

 

ISTOÉ – E o que o sr. acha da legislação brasileira sobre o tema?
Mantovani

Considero a mais moderna do mundo em meio ambiente. Lá fora se pensa em proteger a biodiversidade e as espécies. Aqui se pensa nisso tudo e também na população que está dentro da floresta.

ISTOÉ – O que é a Frente Parlamentar Ambientalista, da qual o sr. é um dos idealizadores?
Mantovani

A frente foi idealizada em 1986, mas não foi adiante. Nós a rearticulamos em 2007. Os deputados José Sarney Filho e Fernando Gabeira também toparam reviver a ideia, que não era de ambientalista, mas de pessoas que querem entender o meio ambiente. Houve uma grande adesão, todos os deputados assinando essa frente parlamentar. Passamos a fazer toda quarta-feira reuniões com parlamentares e grupos da sociedade civil para debater. Nunca compareceram menos de 80 pessoas. É hoje a mais ativa do Congresso. Nosso site tem mais de quatro mil acessos por mês. Graças à mobilização da frente, transformamos a Câmara na primeira do planeta onde o carbono é neutro.

ISTOÉ – Estabeleceram-se metas?
Mantovani


Plantamos 12 mil árvores no Alto Tietê para compensar o que a Câmara emite de carbono. Foi implantada a coleta seletiva do lixo, a diminuição do consumo de energia e até o reaproveitamento do que sobrava no restaurante. Um conceito foi incorporado para levantarmos as leis que causavam impacto no meio ambiente. São mais de 400. Outra ideia é criar o IR Ecológico, uma lei de incentivo para empresas que invistam em projetos a favor da preservação, dando descontos em impostos, por exemplo.

ISTOÉ – Há empenho do governo?
Mantovani

Há um movimento forte. Mas o orçamento do Ministério do Meio Ambiente ainda é o penúltimo em valores. Só perde para o Ministério da Cultura. Justamente as duas coisas tão fundamentais para o bom desenvolvimento do ser humano são relegadas no Brasil.

ISTOÉ – Pensa em ser candidato?
Mantovani

Nem pensar. Não tenho traquejo. Já fui conhecido como biodesagradável por chegar brigando, dizendo "você é ruralista, sai daqui". Mas estou aprendendo a me comportar.

ISTOÉ – Qual o cenário do meio ambiente brasileiro hoje?
Mantovani

A cultura do Brasil é de degradação. Viemos de uma sociedade em que poder significava concentração de terras nas mãos de poucos. Os donos desses lugares desbravavam e derrubavam o que tinham pela frente, porque a ordem era desenvolver e ganhar dinheiro. A mentalidade era acabar com a natureza. Foi Deus quem deu, tudo é maravilhoso e se renova sozinho. Mas quando saímos de uma sociedade rural com transição para a área urbana percebemos os limites e que não se pode usufruir e não proteger. Hoje vivemos um conflito entre essas duas sociedades que estão em transição.

ISTOÉ – O que é mais preocupante entre os problemas ambientais brasileiros?
Mantovani

A questão fundiária. E não estou falando de Amazônia. Basta olhar para os mananciais. A 20 quilômetros da avenida Paulista, temos famílias vivendo sem um documento de posse do terreno. Isso cria uma instabilidade social enorme, que se reflete nas favelas sem nenhuma infraestrutura, sem água, sem esgoto, que contaminam mananciais, água, solo. Entre as doenças brasileiras, 70% são de origem hídrica. As pessoas estão vivendo dentro do esgoto. Construir hospital é importante, mas é melhor que as pessoas nem tenham de chegar lá. Melhor tirar dez pessoas da situação precária em que vivem do que interná-las.

ISTOÉ – Qual sua opinião sobre os muros nas favelas no Rio de Janeiro?
Mantovani

Não acredito que ajude a diminuir a devastação. O governo quer reagir à violência. Não tem nada a ver com preservação ambiental. Não vai funcionar. Vão usar o muro para ser a parede do barraco, dos dois lados.

ISTOÉ – As empresas têm projetos ambientais eficazes no Brasil?
Mantovani


Sim. Algumas porque acreditam na ideia. Outras porque não desejam problemas, principalmente as que têm mercado internacional ou trabalham em parceria com empresas estrangeiras que exigem posturas ambientais. O conceito de empresa com fumaça saindo da chaminé caiu e não volta. Quem permanecer assim vai perder produtividade e respeito. O estímulo também é importante. As empresas perceberam que podem colocar essa mudança a favor delas. É uma marca boa que coloca a empresa em outro patamar. E as companhias brasileiras estão indo tão bem ou melhor que as de outros países.

ISTOÉ – O sr. pode dar um exemplo?
Mantovani

O Bradesco vende um título de capitalização com o selo da SOS. A pessoa compra o título e o banco planta dez árvores por essa compra. A empresa pensou em 100 mil títulos para serem vendidos durante um ano, mas em um mês estava esgotado. Um milhão de árvores estavam semeadas em pouco tempo. Para o banco foi uma supresa. Acharam que seria um esforço enorme para vender. Hoje são 20 milhões de árvores plantadas graças a essa parceria, que não tem três anos.

O papel do talão de cheques é reciclado e os fornecedores têm de provar que são sustentáveis.

ISTOÉ – Parece que o processo de despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, está dando certo, graças à mobilização da sociedade. Como é essa história?
Mantovani

É verdade. A população de São Paulo só descobriu um de seus principais rios, o Tietê, quando lá apareceu um jacaré, em 1991. Ele fez uma catarse coletiva. Até então era um canal. Foi a hora certa.

ISTOÉ – O que aconteceu?
Mantovani

A sociedade civil se mobilizou, houve um movimento cobrando mudanças do governo. Um estudo sobre a situação dos rios ganhou força. Concluiu-se que o projeto para tratar o esgoto de São Paulo seria de US$ 2,6 bilhões, com maturação de 40 anos. Esse investimento veio do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Demorou para dar certo, mas hoje é um modelo inédito de gestão desenvolvido pela Sabesp, a companhia de saneamento do Estado de São Paulo. Com esse dinheiro foram construídas as estações de tratamento e interceptores. Agora, serão feitas as ligações do esgoto de casas com a estrutura já pronta. Se a sociedade se manifesta, e o meio ambiente tem essa capacidade de dar espaço para a cidadania, tudo dá certo.

ISTOÉ – Como cada um pode fazer sua parte no dia a dia?
Mantovani

 cidadão ainda depende de estímulos para mudar. Mas é importante entender que se você consome demais alguém está pagando. Não é simplesmente aprender a viver com menos. É fazer melhores escolhas. Por exemplo, quanto mais produtos com selos ambientais forem consumidos, mais baratos eles ficarão, mais gente terá acesso. Ainda é caro porque as opções são poucas. É preciso criar um círculo virtuoso.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias